Indígenas em Roraima usam satélite e drone na proteção da floresta
Fortalecer a gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas (TIs) na Amazônia é uma das formas de conservar as tradições dessas populações e proteger a floresta em pé e sua biodiversidade. Com foco nesse objetivo, o projeto Promovendo o Bem-Viver dos Povos Indígenas em Roraima vem investindo em iniciativas para auxiliar as comunidades nessa tarefa.
Para 2022, um dos focos é reforçar os 11 mini escritórios instalados em cada uma das TIs e as duas bases-modelo de monitoramento criadas em pontos estratégicos do estado. Como parte dessas ações, lideranças indígenas e colaboradores do Departamento Ambiental do Conselho Indígena de Roraima (CIR) participaram no último mês de dezembro de duas capacitações para utilizar ferramentas de análise de monitoramento ambiental e territorial com dados de satélites.
Realizados em parceria entre o projeto Bem-Viver e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), os cursos capacitaram 17 indígenas Macuxi e Wapichana para usar duas ferramentas online na gestão dos territórios - o Sistema de Observação da Amazônia Indígena (SOMAI) e o Alerta Clima Indígena (ACI).
No início do ano passado (em março), um outro curso já havia treinado indígenas para pilotar drones na Amazônia Legal visando fortalecer o monitoramento e gestão territorial dos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang e Patamona, em Roraima, além dos Kadiwéu, em Mato Grosso do Sul.
O projeto Bem-Viver é desenvolvido no âmbito da Parceria para a Conservação da Biodiversidade na Amazônia (PCAB), com apoio da USAID/Brasil, e implementado pelo CIR em conjunto com o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e a Nature and Culture International (NCI). A iniciativa também é apoiada pelo The Stiefel Behner Charitable Fund por meio do Behner Center for Brazilian Studies na San Diego State University. Visa promover a governança e a gestão territorial e ambiental das TIs, implementar a Política Nacional da Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI) e estruturar práticas sustentáveis da pecuária indígena, introduzida pelas comunidades da região há mais de quatro décadas.
As aulas da capacitação foram realizadas no Instituto Insikiran da Universidade Federal de Roraima (UFRR), em Boa Vista, e reuniram 11 lideranças indígenas, incluindo mulheres e jovens, de seis TIs das regiões Raposa Serra do Sol, Baixo Cotingo, Surumu, Serra da Lua, Tabaio, Murupu, São Marcos, e Alto Cauamé, além de seis integrantes do Departamento Ambiental do CIR.
Os cursos foram divididos em módulos, que incluíram o uso da plataforma SOMAI e o aplicativo ACI, a apresentação e a coleta de bases de dados e a prática de elaboração de mapas. A capacitação visa facilitar o acesso dos indígenas a novas tecnologias para apoiá-los e dar autonomia na gestão dos territórios, além de auxiliar no combate a atividades ilegais que ameaçam as TIs, como queimadas, invasões, desmatamento e garimpo.
“Construímos o curso juntos, entre IPAM, CIR e NCI. A ideia foi fortalecer as capacidades a partir das bases para gerar informações, não só alertas de atividades ilegais, mas também dados de uso tradicional dos territórios. Com isso, será possível subsidiar a equipe do Departamento Ambiental do CIR e facilitar a troca de informações. Para o monitoramento territorial acontecer e ser útil, é necessário gerar os dados e processá-los”, explica Martha Fellows, pesquisadora e gestora dos projetos indígenas no IPAM.
Para a líder indígena Sineia do Vale, que coordena o Departamento Ambiental do CIR, as capacitações permitem que as comunidades conheçam as ferramentas e dá autonomia para que monitorem seus territórios. “Podemos fazer juntos o trabalho de mapeamento e monitoramento, fortalecendo o conhecimento.”
Sineia, que foi a única brasileira a discursar na Cúpula de Líderes sobre Clima, organizada pelo governo Joe Biden, lembra que o Departamento Ambiental vem trabalhando há mais de oito anos com as questões climáticas e projetos de enfrentamento.
Em 2021, o relatório “Povos indígenas e comunidades tradicionais e a governança florestal”, divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e pelo Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC), mostrou que TIs com plenos direitos de propriedade coletiva tiveram taxas de desmatamento 66% mais baixas em comparação a outras áreas da Amazônia entre 1982 e 2016 no Brasil. Nos últimos anos, a pressão de atividades ilegais vem aumentando na região.
De 2000 a 2012, territórios indígenas titulados na Amazônia brasileira contribuíram para evitar pelo menos 42 milhões de toneladas métricas (MtC) de emissões de CO2 a cada ano no período, o que equivale a tirar cerca de 9 milhões de veículos das estradas por um ano.
Em Roraima há 32 TIs demarcadas e homologadas, entre elas a Raposa Serra do Sol, com 1,7 milhão de hectares, e a Yanomami, com 9,7 milhões de hectares, ambas afetadas pelo avanço do garimpo ilegal.
As ferramentas - O aplicativo ACI foi desenvolvido pelo IPAM, com apoio do governo da Noruega, para registrar dados sobre focos de calor e o risco de fogo, além de permitir o monitoramento do avanço do desmatamento dentro e no entorno de cada Terra Indígena.
Já o SOMAI é uma plataforma online com dados científicos sobre as TIs da Amazônia brasileira, que busca mostrar a importância dos territórios para ações de enfrentamento às mudanças climáticas.
“SOMAI e ACI nasceram por causa da agenda do clima. Sempre relembramos a importância de fortalecer os modos de vida dos povos indígenas como via para enfrentar as mudanças climáticas. Tendo ferramentas para saber de onde vem o fogo, ameaças futuras, secas, é possível estruturar planos de enfrentamento. Os dados técnicos e científicos fornecidos pela plataforma e aplicativo combinados com o conhecimento tradicional são ferramentas poderosas”, conclui Martha.