A líder que levou ao mundo o papel dos povos indígenas frente às mudanças climáticas
Líder indígena e gestora ambiental, Sineia do Vale defende a incorporação do conhecimento dos povos tradicionais que vivem na floresta amazônica, especialmente os indígenas, na construção de ações de enfrentamento às mudanças climáticas.
Foi essa mensagem que ela levou para a Cúpula de Líderes sobre Clima, organizada pelo governo Joe Biden no final de abril. Sineia foi a única brasileira a participar do evento, além do presidente Jair Bolsonaro.
Nascida na região da Serra da Lua e da etnia Wapichana, Sineia coordena o Departamento de Gestão Territorial e Ambiental do Conselho Indígena de Roraima (CIR), onde atua desde o fim dos anos 1990. Foi lá que ajudou a organizar, em 2014, a publicação "Amazad Pana’Adinham: percepção das comunidades indígenas sobre as mudanças climáticas na região Serra da Lua", a primeira deste tipo no Brasil. Agora, prepara uma semelhante para a Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol.
O CIR, entidade que comemora 50 anos em 2021, participa do projeto Promoção do Bem-Viver da População Indígena no Estado de Roraima, desenvolvido no âmbito da Parceria para a Conservação da Biodiversidade na Amazônia (PCAB). Implementado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e Nature and Culture International (NCI), o projeto visa promover a governança e a gestão territorial e ambiental das TIs no Estado.
Além de implantar a Política Nacional da Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI), o Bem-Viver atua na estruturação de práticas sustentáveis da pecuária indígena, introduzida pelas comunidades da região há mais de quatro décadas.
A seguir trechos da entrevista que Sineia concedeu ao site da PCAB:
Como foi receber o convite para a Cúpula de Líderes sobre Clima?
Acredito que o convite tenha vindo pelo fato de eu ter participado de várias edições da Conferência das Partes (COPs) e de negociações do clima apresentando trabalhos de base na área ambiental que o Conselho Indígena de Roraima (CIR) realiza, sempre tratando de mudanças climáticas e povos indígenas. Inicialmente achei que fosse uma reunião paralela. Fiquei surpresa com a dimensão que tudo tomou.
Qual sua avaliação da repercussão do discurso no encontro?
Foi positivo uma organização de base, como o CIR, levar para conhecimento mundial a estratégia dos povos indígenas para o enfrentamento das mudanças climáticas. Falar dos planos de gestão e de ações para enfrentar o problema. A resposta disso veio pelo interesse das pessoas em nossa estratégia, demos um olhar diferente para a questão.
Os povos indígenas no Brasil têm sido constantemente ameaçados por invasão de território, garimpo, desmatamento ilegal. Como se proteger?
Independentemente de todas as ameaças temos a Constituição Federal, que assegura o direito dos povos indígenas e de comunidades locais. O povo indígena é resistente e sábio, tanto que sempre manteve seu território e fez gestão do uso dele. Este momento difícil é também de aprendizagem e de criar estratégias para vencer as barreiras.
Como vencer essas barreiras?
Os povos indígenas têm conhecimento para lidar com a floresta e mantê-la em pé. Mas sempre digo que manter a floresta em pé é também saber que há pessoas morando ali e elas precisam de políticas públicas e da garantia de seus direitos. É para isso que estamos trabalhando. Neste sentido, o repasse de recursos de fundos criados para a preservação e a implementação dos planos de gestão territorial têm importante papel.
O projeto Bem-Viver se insere neste contexto?
Esse projeto, com apoio da USAID, fortaleceu a implementação dos planos de gestão territorial e ambiental e também vem trabalhando na pecuária sustentável. Temos feito um trabalho de ordenamento territorial e, com o IEB, a parte de formação dos agentes. Criamos brigadas indígenas para prevenir e combater incêndios (são seis no Estado de Roraima). O projeto nos ajudou a implementar ações estruturantes nas comunidades, desenvolvidas a partir de planos de gestão montados pelas próprias comunidades. Elas têm ficado contentes de serem autônomas para discutir e implementar as ações que decidem. Não é uma coisa que vem de cima para baixo, mas que elas escolheram para investir.