Usina comunitária trabalha para levar desenvolvimento sustentável ao Amazonas
Junho, 2022 - Apenas 200 quilômetros separam Beruri, município do interior do Amazonas, da capital Manaus. Mas para chegar ao município, onde está a única usina de base comunitária no Brasil com certificado do Ministério da Agricultura para exportar castanhas, é preciso viajar um dia inteiro de barco. A certificação para a Associação dos Agropecuários de Beruri (ASSOAB) chegou há poucos meses e para conquistá-la foi preciso muito trabalho para adequar o beneficiamento ao padrão necessário.
Mas muito trabalho não assusta a presidente da ASSOAB, Sandra Amud, a primeira mulher a liderar a associação, que foi reconduzida ao cargo no final de maio para o terceiro mandato. Uma gestão acolhedora e um olhar feminino cuidadoso são apontados por vários colaboradores da ASSOAB como responsáveis pelo crescimento da produção e do reconhecimento da instituição.
Atualmente a ASSOB emprega 62 funcionários e beneficia 365 famílias extrativistas cadastradas na região, que fornecem castanha para a usina, a segunda empregadora do município, atrás apenas da prefeitura. Isso faz muita diferença em uma região em que parcela considerável da população vive com auxílios de programas assistenciais do governo federal, como o agora chamado Auxílio Brasil.
A presença da ASSOB também tem mudado a relação dos extrativistas com o mercado. Antes, fazer negócios com os atravessadores, também conhecidos como regatons, era a única opção das famílias ribeirinhas.
"Já ouvi de vários extrativistas que nunca tinham recebido dinheiro vivo em uma transação, apenas itens essenciais como alimentos e roupas, sempre com preços exorbitantes, em troca da produção", explica Sandra. Além de pagar um valor mais justo pela castanha, a associação ajuda na logística e oferece treinamento e equipamentos de segurança aos extrativistas.
É o caso de Pedro de Castro, 60 anos. Conhecido como seu Pedro, casado, pai de cinco filhos, ele mora a 20 minutos de barco de Beruri e junto com o filho mais velho cuida com muito zelo de uma castanhal que ocupa uma trilha de 10 km às margens do lago Beruri: "Eu sou um defensor da floresta", afirma com sorriso orgulhoso ao contar que recentemente expulsou um grupo atrás de madeira perto das terra dele: "Não tem um que mete a mão, não deixo. Não voltaram nem para pegar a canoa".
Floresta em pé - A cadeia produtiva da castanha-do-Brasil é responsável pelo sustento de milhares de famílias na Amazônia. O desmatamento crescente na região, no entanto, é uma ameaça ao sustento dessas famílias e à floresta. Com um tronco que pode chegar a até cinco metros de diâmetro e 60 metros de altura, a castanheira desperta a cobiça dos madeireiros ilegais.
"Hoje a preocupação da ASSOAB é justamente manter a floresta em pé. Por isso compramos castanhas apenas de extrativistas, nunca de atravessadores. Levamos para as comunidades muitas palestras para falarmos sobre a importância da conservação da floresta. Que é mais valioso manter ela em pé do que derrubá-la, para que o extrativista possa tirar todo o seu sustento dela", afirma Jaqueline Lima, engenheira florestal e responsável técnica pela ASSOAB.
Essa consciência é disseminada por toda a cadeia produtiva, desde seu Pedro, que coleta o fruto, até dona Maria das Graças, 44 anos, que trabalha na fase final do beneficiamento, na etapa de seleção manual: "Eu converso com meus filhos sobre a natureza. Eu falo que uma árvore traz recursos por muitos anos. Que não pode derrubar a castanheira. Se acabar a floresta o nosso trabalho vai acabar também", conta dona Maria das Graças, que antes de trabalhar na ASSOAB fazia serviços como empregada doméstica e vendia churrasquinho na rua para sustentar os cinco filhos.
Empoderamento feminino - "A gente tem que ter o dinheiro da gente, senão ficamos pedindo dinheiro para o marido e ele pergunta: ´Pra quê que tu quer?´. É muito chato", diz. Dar mais condições aos filhos e conquistar a independência financeira foram as razões que levaram dona Maria das Graças a bater à porta da ASSOAB para pedir emprego. Ela começou quebrando castanha e agora trabalha no controle de qualidade final. Nutre profunda admiração e respeito pela presidente da associação, a quem chama de "guerreira". Atualmente, as mulheres somam 60% da força de trabalho e a tendência é aumentar.
São várias as etapas do beneficiamento da castanha e as mulheres já fazem parte de todas, mesmo as mais pesadas. Segundo Jaqueline, o trabalho delas começa ainda no campo, geralmente na parte da coleta, seleção e lavagem da castanha. Elas chegam a ficar de 10 a 15 dias acampadas no castanhal com toda a família. E paralelo às atividades extrativistas cuidam dos filhos e da alimentação dos trabalhadores. Já na agroindústria, elas trabalham na área de quebra que requer técnica e também força e, principalmente, no processo de seleção final que vai garantir a qualidade da castanha.
"A nossa presidente nos dá força, coragem e nos motiva para que não nos sintamos menos por sermos mulheres. Aqui na ASSOAB não há diferença entre o trabalho masculino e o feminino. As atividades que as mulheres desempenham não são menos valiosas, menos importantes que as dos homens. Estamos trabalhando para recrutar ainda mais mulheres para a cadeia produtiva da castanha", afirma Jaqueline.
A equidade de gênero no mercado de trabalho ainda é um desafio em todo o mundo e tem sido um norteador dos projetos apoiados pela USAID no Brasil. Para Alex Araújo, gerente de projeto ambiental da USAID, o cuidado com o coletivo tem feito o trabalho das mulheres ser um diferencial em todos os projetos apoiados pela instituição: "O impacto é muito positivo e estamos nos empenhando para incentivar ainda mais a participação das mulheres nos projetos", afirma Araújo.
Parcerias - Para conseguir expandir as atividades e continuar ajudando a proteger 1,2 cerca de um milhão de hectares de florestas nativas a ASSOAB tem contado com alguns parceiros fundamentais. A entidade faz parte do projeto Cadeias de Valor, implementado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). "A USAID acreditou no nosso trabalho e nos ajudou a chegar às comunidades. Essa parceria nos abriu portas e nos resguardou durante a pandemia", comemora Sandra.
Essa parceria possibilitou, por exemplo, a construção de galpões em algumas comunidades que foram fundamentais para guardar corretamente a castanha durante a pandemia da COVID-19, quando a usina teve que parar as atividades, não podendo continuar com a logística de recolhimento da castanha e o beneficiamento.
"Os resultados que o projeto Cadeias de Valor alcançou são grandes. Regulamentação de legislação, acesso a mercados, a políticas públicas, melhoria de preços praticados para vários produtos da sociobiodiversidade, engajamento de muitas comunidades e lideranças. Nossa parceria com a ASSOAB vem desde o Formar Castanha, também financiado pela USAID. Essa parceria é muito valorizada por nós do IEB", afirma André Tomasi, analista ambiental do IEB.
A NESsT Amazônia - Incubadora da Floresta, parceria estratégica com USAID, Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), Erol, Cisco Foundation e CLUA, é outra apoiadora da ASSOAB e está ajudando a associação a melhorar seu processo de monitoramento e rastreamento de impactos e equipar a associação para diversificar suas linhas de produtos e alcançar novos mercados. Um grupo de estudantes estrangeiros da Consultoria Júnior da Universidade da Pensilvânia esteve na usina no mês passado para apresentar estudos de mercados internacionais que podem importar a castanha. Já as obras na usina para extrair o óleo de diversas sementes da Amazônia começam ainda em 2022.