União e natureza: 4 povos indígenas unem forças para discutir questões de gênero e combate a incêndios
Novembro / Dezembro, 2023 – Proteger o meio ambiente para o coletivo e as gerações futuras. Disseminar o conhecimento tradicional para ajudar a restaurar áreas degradadas da Amazônia. Ensinar para prevenir. Superar preconceitos e machismo em busca de espaço de liderança em suas comunidades. Esses são alguns dos motivos que levam mulheres indígenas a fazerem parte de brigadas voluntárias femininas.
Elas têm deixado de lado a timidez de falar em público, o receio de conciliar suas tarefas domésticas com o trabalho externo e superado a resistência dos homens em dividir espaços de decisão. Com isso, estão conseguindo assumir papéis de liderança e servir de inspiração para crianças e outras mulheres.
“Eu via as Xerente na internet contando sobre a brigada delas. Isso nos inspirou. Eu era coordenadora da AMIMA [Associação das Mulheres Indígenas do Maranhão] e abracei a causa”, relata Maria Helena Gavião, agora vice-coordenadora da COAPIMA (Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão) para uma plateia de cerca de 50 mulheres.
Elas fazem parte de brigadas florestais de quatro povos indígenas — Apinajé, Gavião, Krikati e Xerente — que estiveram reunidas no inédito Encontro de Mulheres Indígenas Brigadistas Florestais. Durante três dias, na aldeia São José, na Terra Indígena Krikati (Maranhão), o grupo trocou experiências sobre manejo integrado do fogo, educação ambiental e iniciativas de prevenção a incêndios em estados da Amazônia Legal.
“Esse encontro é um avanço na luta para somar aos homens, trabalharmos de igual para igual. Estamos trabalhando cada vez mais para fortalecer a busca por espaços das mulheres indígenas”, completa Maria Helena.
As brigadas voluntárias indígenas femininas começaram a ser formadas em diferentes períodos. A primeira a concluir o curso de capacitação voltado exclusivamente às mulheres, em 2021, foi a brigada voluntária Xerente (leia mais aqui). Em seguida, vieram as Apinajé (saiba aqui).
No encontro, elas puderam sentir a força coletiva feminina, que traz o conhecimento ancestral do uso cultural e tradicional do fogo em suas terras. Esse é um dos diferenciais nas ações de educação ambiental, que contribui para a prevenção de incêndios, indo além apenas do apoio ao combate.
“Tínhamos 42 mulheres na formação da brigada voluntária. Para não deixar nenhuma de fora, nos organizamos em três frentes: a do sistema agroflorestal, da educação ambiental e do combate [aos incêndios]. Assim todas podem somar forças", conta Cida Apinajé, uma das líderes da brigada voluntária Apinajé.
O evento teve apoio da USAID/Brasil e parceria do Fundo Casa Socioambiental e foi realizado pelos Grupos de Mulheres Indígenas Brigadistas Apinajé, Awkê/Xerente, Gavião e Krikati, juntamente com AMIMA, COAPIMA, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), do Ibama, e Serviço Florestal dos Estados Unidos.
Inclusão - No universo das brigadas florestais indígenas, as mulheres ainda enfrentam desafios para inclusão de gênero nas estratégias do manejo integrado do fogo. “Foi difícil porque muitas mulheres tiveram que enfrentar os maridos. Muitas vezes eles não entendem que é importante mostrar o trabalho e conversar com outras mulheres, como começamos a fazer neste encontro”, diz Maria Helena Gavião.
Katiane Xerente, que integra a brigada indígena Xerente, lembra que no início houve muita resistência. “No início, alguns homens da brigada não queriam que as mulheres participassem. Existe um machismo forte e a ideia de que mulher não pode sair de casa. Mas as coisas estão mudando.”
A mais jovem da brigada, atualmente com 18 anos, Rose Krikati, que mora na aldeia São José, lembra que desde os 14 anos já começou a se envolver nas reuniões da comunidade. Segundo ela, o trabalho de prevenção e educação ambiental está fazendo com que animais e árvores frutíferas que não haviam mais na região começassem a ser encontrados novamente. "Nós mulheres brigadistas voluntárias nos sentimos fortes, inspiradas, com um olhar amplo para garantir o futuro das outras gerações. É um orgulho ocuparmos um lugar onde queremos estar.”
Futuro – No encerramento, as brigadas de cada povo indígena fizeram um planejamento de ações para 2024. Foram incluídas desde propostas de formação e capacitação, construção de viveiros até a criação de material didático na língua de cada povo. “As mulheres têm um trabalho de prevenção e de educação ambiental. Quando vamos às escolas falar para as crianças sobre nossa rotina e como devemos cuidar do meio ambiente, elas ficam motivadas. Ao contar as histórias, já ouvi de algumas que elas querem ser como nós quando crescerem. Isso é emocionante”, explica Ana Shelley Xerente, brigadista indígena contratada pelo Prevfogo/Ibama, que começou na brigada voluntária feminina.
Também estiveram presentes no evento representantes de instituições como Funai e Prevfogo/Ibama, trazendo o panorama dos avanços e desafios da participação das mulheres no combate e prevenção a incêndios florestais. “A gente vê claramente que a prevenção é cada vez mais fundamental e eficaz do que agir só quando os incêndios já estão acontecendo. As mulheres podem somar muito ao trabalho das brigadas oficiais trabalhando nestas frentes”, reforça Paula Mochel, chefe da Divisão de Prevenção do Prevfogo/Ibama.
Segundo o Prevfogo/Ibama, 34% das mulheres brigadistas no país são indígenas. O objetivo é aumentar este número – as brigadas voluntárias são um caminho para que as mulheres indígenas alcancem posições nas brigadas oficiais.
Um encontro como esse começa a ser organizado muitos meses antes de acontecer, por meio de alianças e parcerias que apoiam em trilhas de aprendizagem, treinamentos e capacitações de todas as envolvidas. A USAID e o Serviço Florestal dos Estados Unidos, programa do Brasil, têm trabalhado a longo prazo nas formações das brigadas junto ao Prevfogo/Ibama e Funai, como os treinamentos das Xerente e Apinajé.
Jayleen Vera, coordenadora geral do USFS no Brasil, destaca o evento como um marco importante na luta das mulheres e na proteção dos territórios: "Ouvimos exemplos excelentes de resultados de redução do impacto dos incêndios florestais, de engajamento das comunidades. Essas mulheres indígenas estão trazendo um novo olhar que conecta as anciãs, os anciãos, as crianças, as escolas em esforços para trazer para o chão o manejo integrado do fogo. Nosso papel como instituição parceira é impulsionar ainda mais isso”.
Assista aos vídeos do encontro aqui e no Youtube.