‘Guardiãs da floresta’: Mulheres indígenas formam primeira brigada totalmente feminina, em Tocantins

“Temos uma barreira muito grande para superar: o machismo que predomina. Acham que não resolve contar com as mulheres porque elas não são capazes, mas se enganam. Administramos uma casa, cuidamos dos filhos, fazemos cinco, seis coisas ao mesmo tempo. Agora acreditaram em nós. Nos deram visibilidade e reconhecimento”, diz Vanessa Xerente, 32, que mora na aldeia Cachoeirinha.

 Vanessa é uma das 29 indígenas da etnia Xerente, em Tocantínia (no Estado do Tocantins), que concluíram o primeiro curso de formação de brigada voluntária voltado exclusivamente para mulheres. A capacitação envolveu conceitos desde educação ambiental e comportamento do fogo, até organização e segurança, além de técnicas de queima controlada e mobilização.

 O curso, ministrado entre os dias 18 e 20 de agosto, foi realizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Prevfogo/Ibama), em parceria com o Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) e a Associação de Brigadistas Indígenas Xerente (ABIX). A USAID/Brasil apoiou a atividade dentro do Programa de Manejo Florestal e Prevenção de Fogo do Brasil. 

A capacitação faz parte de um esforço da Abix para tentar reparar a ausência das mulheres indígenas no protagonismo e articulação no contexto ambiental e social. Tradicionalmente a mulher Xerente, como em muitas outras Terras Indígenas (TIs), se dedica exclusivamente às atividades domésticas, como cozinhar, cuidar da casa e da família.

“Havia uma demanda das mulheres para participar, e pensamos em uma forma de capacitá-las. As vagas foram preenchidas rapidamente. As mulheres têm diferenciais em relação aos homens: a sensibilidade, a forma organizacional e a expertise de ensinar e educar, papel que elas desempenham nas comunidades”, afirma Pedro Paulo Xerente, presidente da Abix.

Para Marcelo Siqueira de Oliveira, consultor de Incêndios Florestais do USFS e um dos que ministraram o curso, o envolvimento das indígenas foi exemplar.

“Elas se mostraram resistentes e fortes, muito mais do que alguns homens. Desenvolveram atividades que surpreenderam, como a abertura de linha com o uso de enxada. A qualidade do serviço foi muito boa”, completou. A capacitação contou ainda com um outro instrutor, Bolivar Xerente,  que é indígena e também ajudou na tradução.

A equipe feminina treinada agora vai reforçar o quadro de brigadistas da TI Xerente, que já tinha formado 22 homens . O trabalho das brigadas indígenas brasileiras já foi citado em relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), mesmo documento que chamou os povos tradicionais de “guardiões da floresta”. 

A região enfrenta todos os anos no período da seca um alto número de focos de calor e de queimadas, muitas vezes atingindo a floresta.

“A situação que vivemos me levou a ser brigadista voluntária. Com a formação poderei contribuir ainda mais com o meio ambiente, em um cenário em que ele é atacado pelo fogo, sem uma política ambiental. Com o fim do curso, tenho um compromisso: reunir comunidades, aldeias mais próximas, e mostrar a importância de não colocar fogo, porque, com a derrubada da floresta, a mãe natureza pede socorro”, completa Vanessa.

Além de reforçar o quadro de brigadistas, as mulheres também terão importante papel de multiplicadoras de conhecimento em suas comunidades e de líderes em ações educativas. “Temos a certeza de que somente combatendo incêndios florestais jamais teremos sucesso. Temos de combater também a falta de informação”, diz Pedro.