Ribeirinhos já enfrentam impactos das mudanças climáticas na Amazônia, com enchentes e secas

Comunidades ribeirinhas que vivem na região do Médio Juruá, no Amazonas, buscam iniciativas para reduzir os efeitos das mudanças climáticas, já refletidos no dia a dia desses moradores da floresta.

Também contribuem com esse objetivo as ações desenvolvidas na região, como a coleta seletiva de lixo, programas de conscientização para manter a floresta em pé e conservar a biodiversidade e a participação cada vez mais intensa em projetos de manejo sustentável, como o do pirarucu, e de monitoramento para preservação de espécies, como a dos quelônios. 

"A mudança de clima tem se tornado bem frequente aqui na região. O que era para ser período de chuva está sendo época de sol forte. E nos meses de seca vemos chuva. Isso é muito percebido, e a gente tem que ir se readaptando a essas mudanças", diz Maria da Cunha Figueiredo, moradora da comunidade São Raimundo, na Reserva Extrativista (RESEX) Médio Juruá.

Neste ano, vários rios amazônicos, como o Negro e o Juruá, registraram cheia histórica, alagando cidades e comunidades. Já na estiagem, entre setembro e outubro, a seca castigou plantações e dificultou a navegação em vários trechos do rio. Outro fator relevante neste contexto é o aumento das queimadas na região, contribuindo com o desmatamento e acelerando as mudanças climáticas. Somente em agosto houve 28 mil focos de incêndio na Amazônia e outros 16.700 registros no mês seguinte, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

"Temos tentado nos adaptar. Buscamos proteger a floresta, mas imaginamos que coisas piores podem estar acontecendo porque as pessoas não têm consciência de que precisam parar de desmatar e de poluir. Elas imaginam que a floresta é sempre, mas não é. Precisa cuidar", completa Maria, que, além de agente ambiental voluntária, é coordenadora de formação de liderança no movimento Jovens Lutando Pela Caminhada (JLPC), grupo que trabalha a questão ambiental em comunidades.

Maria também foi uma das moradoras da região que participaram do trabalho para investigar impactos climáticos no modo de vida das populações. O resultado foi a publicação do estudo “Mudanças Climáticas e seus impactos na sociobiodiversidade do rio Juruá”, realizado dentro do Programa Território Médio Juruá (PTMJ), durante a primeira fase (entre 2017 e início de 2021). Foram entrevistados 240 moradores de 27 comunidades (leia o estudo aqui). 

Agora, o PTMJ está em sua segunda fase, com apoio a iniciativas que atendem, principalmente, os três pilares-base: meios de vida sustentáveis, conservação da biodiversidade e coesão social. Além do apoio da USAID/Brasil e da Natura, o PTMJ tem a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) como parceiro estratégico e a participação da Aliança Bioversity/CIAT. 

A coordenação permanece com a SITAWI. Seis organizações comunitárias locais (ASPROC, ASMAMJ, AMECSARA, AMARU, CODAEMJ e ASPODEX) estão entre as implementadoras das ações. Contará ainda com ICMBio, Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) e OPAN.

Impactos econômicos - O gestor da RESEX Médio Juruá mora hoje na  comunidade São Raimundo em função do trabalho no ICMBio. Manuel Silva da Cunha nasceu e se criou no Médio Juruá e enumera os prejuízos econômicos sofridos  com as mudanças climáticas:

"Este ano tivemos um dilúvio nesse rio Juruá, nunca visto na história. Esse desequilíbrio é direto na vida das pessoas. Por exemplo, tem seringueiro que perdeu quase 80 seringueiras em uma única estrada. Isso são dez quilos de borracha por dia. As roças de subsistência foram todas para o fundo da água, precisando ser reconstruídas. O pessoal deixou de coletar sementes, carregadas pelas águas. É o equivalente a R$ 2 milhões, dinheiro a menos no bolso das quase mil famílias do Médio Juruá", diz Cunha.

O gestor compara o enfrentamento às mudanças climáticas a uma guerra. "As comunidades tradicionais são soldados da linha de frente. E com uma diferença: ninguém tem arma, não temos a caneta nas mãos para mudar as iniciativas e conter as mudanças climáticas. As comunidades tradicionais vivem no ambiente e do ambiente. E, como qualquer desequilíbrio é no ambiente, muda totalmente a vida", completa.

A moradora da comunidade Bauana Maria Francisca de Aquino do Carmo lembra que, ao trocar experiência com pessoas de gerações anteriores, as histórias eram diferentes. "Quando converso com minha mãe, ela diz: ‘Na minha época, quando ia para o roçado, aguentava o sol até o meio-dia. Agora a gente aguenta no máximo até as 10 horas porque o sol  está quente demais’. Aí eu explico para ela e digo que são as mudanças climáticas, os efeitos."

Para Reginaldo Oliveira dos Santos, coordenador de produção da Empresa de Base Comunitária (EBC) Bauana e morador da comunidade Bom Jesus, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari, uma das alternativas é conservar a floresta em pé e conscientizar as próximas gerações da importância da biodiversidade. "Temos noção que é tudo o homem que está degradando a natureza. Nós que moramos aqui sentimos o efeito de tudo isso e continuamos lutando para manter a floresta em pé."