Inovadoras, capacitações incentivam a participação de mulheres em programas de manejo integrado do fogo

Projeto busca diversidade de gênero e de culturas, entre elas indígenas, em ações de prevenção a incêndios

A troca de experiências, os diferentes olhares em busca de um objetivo comum e a construção conjunta de soluções estão entre os aprendizados obtidos durante dois cursos sobre manejo integrado do fogo destinados exclusivamente a mulheres. As capacitações foram realizadas a distância, em janeiro, como parte de uma iniciativa inovadora, e contaram com a participação de 52 mulheres, entre elas indígenas que vivem na Amazônia.

Os cursos fazem parte do FOGO, Programa Regional do Fogo para a América do Sul, criado em 2020 em resposta ao aumento de incêndios florestais. É realizado pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS), com o apoio da USAID, em quatro países: Brasil, Colômbia, Equador e Peru. Reúne parceiros na região, possibilitando aos brigadistas norte-americanos compartilhar sua experiência e conhecimento com especialistas dos outros países. 

Para Vanessa Xerente, uma das indígenas da etnia Xerente e liderança da equipe de brigadistas da comunidade, a capacitação abre um leque de oportunidades, que serão aliadas à experiência dos anciãos para beneficiar as comunidades.

 

“Os cursos são muito ricos.

Ampliam nosso conhecimento.

A palavra é gratidão", diz a indígena.

 

E completa: "Com certeza, aplicar o que aprendemos na prática será bem emocionante e de grande importância para nosso povo. Vamos inserir o conhecimento do curso ao que já aprendemos com a experiência dos nossos anciãos, enriquecendo o trabalho”, relata.

O programa trabalha com diversas entidades oficiais e privadas, universidades e comunidades indígenas para aprimorar os recursos técnicos e humanos da região, especialmente no território amazônico. No Brasil, a parceria inclui o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

“O programa FOGO nos ajudou a estabelecer uma estratégia para oferecer uma metodologia de treinamento de incêndio abrangente e compartilhada com países da América do Sul. À medida que traduzimos, examinamos e adaptamos cursos, coordenamos com os principais profissionais institucionais em cada país”, afirma Jayleen Vera, coordenadora do programa Brasil do Serviço Florestal dos Estados Unidos.

Os cursos realizados foram o “S 190 - Introdução ao Comportamento do Fogo para os Incêndios Florestais”, entre os dias 12 e 14 de janeiro, e o “FI 110 - Observação de incêndios florestais e proteção de cena de origem para primeiras brigadistas”, nos dias 19 e 20.  São brigadistas que chegam à cena de uma queimada e executam ações como a compreensão do comportamento básico dos incêndios e o apoio à investigação, além da análise de indicadores dos padrões de fogo e suas várias causas.

Para marcar o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, está prevista a realização de um evento regional sobre a participação feminina no manejo integrado do fogo.

“Como a gente ainda trabalha em ambientes machistas, as mulheres estão sempre provando que conseguem dar conta das atividades. Acho importante cursos voltados somente a elas para termos um processo de reconhecimento da competência e da disponibilidade para realizar esse tipo de trabalho. Quando há o reconhecimento, as pessoas começam a ter um outro olhar sobre as mulheres. Se elas estão sendo convidadas para participar de um processo de capacitação, é preciso esse olhar”, diz Cláudia Sacramento, analista ambiental e instrutora para formação de brigadistas no ICMBio.

Para Sacramento, a capacidade de articulação, conversa e acolhimento da mulher para temas sensíveis é crucial no processo de conservação da floresta e da biodiversidade. “A mulher tem um poder muito grande no processo de transformação dos ambientes que ocupa. Nesse sentido, a formação técnica e a capacitação ajudam a fortalecer o trabalho”, completa.

Impactos - O Brasil é um dos países da América do Sul com maior incidência de incêndios florestais. Historicamente, a Amazônia Legal, que ocupa cerca de 59% do território brasileiro, é o bioma que mais registra focos de queimadas por ano, seguido do Cerrado. Somente em 2021 foram 75.090 focos de incêndio na região amazônica, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 

Entre 2014 e 2019, as mulheres representaram, em média, 4% dos brigadistas do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, conhecido como Prevfogo (centro especializado do Ibama com atuação na educação, pesquisa, monitoramento, controle de queimadas, prevenção e combate aos incêndios florestais). 

As mulheres ocupam menos cargos de supervisão e chefia das brigadas, limitando abordagens e estratégias das instituições no manejo integrado do fogo, e têm participação reduzida em cursos e treinamentos, limitando oportunidades para o crescimento profissional e a formação de lideranças. 

“Os cursos feitos por e para mulheres reforçaram que estamos em grande número e motivadas para contribuir com a prevenção e o combate de incêndios florestais. Nossos objetivos se unem aos de todas as pessoas que trabalham com manejo do fogo: queremos conservar nossas florestas e garantir o bem-estar das pessoas”, diz Ana Luiza Violato Espada, especialista em gênero e governança do Serviço Florestal dos Estados Unidos.

A inclusão da diversidade de gênero e de culturas na composição das brigadas é uma forma de incorporar inovações às iniciativas de prevenção e combate aos incêndios florestais e de uso sustentável dos recursos naturais, resultando em mais alternativas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Histórico - No fim do ano passado, o USFS já havia realizado, pela primeira vez no Brasil, os mesmos cursos virtuais (S-190 e FI-110) para 45 profissionais do Ibama e do ICMBio. 

“Esses primeiros participantes não apenas forneceram contribuições vitais para os cursos, mas também são agora os multiplicadores, ajudando a tornar esses treinamentos acessíveis a outras organizações, voluntários e mulheres. Acreditamos que à medida que mais pessoas aprendam e falem sobre o tema, podemos construir capacidades interinstitucionais e interculturais para enfrentar os desafios crescentes e sem precedentes do gerenciamento integrado do fogo”, completa Jayleen.

Os cursos foram traduzidos e adaptados do catálogo de cursos do Grupo de Coordenação Nacional de Incêndios Florestais, que exerce liderança nos Estados Unidos para facilitar operações conjuntas de incêndios florestais entre parceiros federais, estaduais, locais, indígenas e comunidades.