Estudo aponta efeitos das mudanças climáticas na biodiversidade e em comunidades que vivem no Médio Juruá
Quando o aruá -- um caracol terrestre encontrado na floresta amazônica -- sobe a árvore e coloca seus ovos, a altura em que eles ficam é o máximo até onde chegarão as águas do rio Juruá durante o período de inundação, geralmente de setembro a março. E, para saber se a cheia será mais cedo do que o normal, é só acompanhar a florada do arati, uma planta cujo nome científico é Eugenia inundata: se ela vier antes, as águas também virão.
Esse conhecimento da vida na Amazônia vem há muitos anos sendo passado entre gerações de povos tradicionais, como ribeirinhos e indígenas, que vivem no local. Mas com as mudanças climáticas, especialmente o aquecimento global, o funcionamento da floresta tem se modificado. É exatamente para analisar essas transformações que foi realizado o estudo “Mudanças Climáticas e seus impactos na sociobiodiversidade do rio Juruá”.
O trabalho, feito dentro do Programa Território Médio Juruá, investigou os impactos climáticos na biodiversidade e seus efeitos no modo de vida das populações residentes na região. Os resultados subsidiarão projetos de preservação e desenvolvimento sustentável. Coordenado pela SITAWI, o programa tem o apoio da USAID/Brasil, Natura e Coca-Cola Brasil.
Para desenvolver o estudo foram entrevistados 240 moradores de 27 comunidades, além do uso de sensoriamento remoto, monitoramento pesqueiro, do nível de água e de tabuleiros e análise de banco de dados.
Por meio das entrevistas, foram apontados, por exemplo, efeitos como aumento da sensação térmica, maior frequência de chuvas e de pequenas alagações, mudanças no tempo de frutificação e da produção de sementes de algumas espécies de plantas.
“As comunidades que vivem na Amazônia têm a natureza como relógio. A floresta e o seu funcionamento estão associados ao modo de vida desses moradores, à cadeia produtiva. Com as mudanças climáticas, tudo está ficando imprevisível e alterando esse modo de viver”, afirmou João Vitor Campos-Silva, um dos autores do estudo e diretor-geral do Instituto Juruá, durante bate-papo realizado online em novembro para apresentar os dados.
Experiência - Ao analisar os bancos de dados oriundos do monitoramento participativo de quase 40 anos no caso das tartarugas e 12 anos do pirarucu, o estudo apontou que as alterações climáticas têm impacto na quantidade de animais.
Por exemplo: secas extremas reduzem o número de ninhos de tracajás (uma espécie de tartaruga) em 14%. Já em relação ao pirarucu, a cada 1 metro que o rio sobe acima da média histórica, há um aumento de 26% no número de peixes adultos. Em lagos protegidos, esse crescimento é ainda maior, chegando a 42%.
Com os resultados da pesquisa, a meta é estimular iniciativas que ajudem a preservar a biodiversidade local e o desenvolvimento social, ambiental e econômico da região do Médio Juruá. Para contribuir com esse objetivo, uma série de recomendações foram elaboradas em conjunto com lideranças e associações locais.
No total são sete sugestões, que incluem fomentar cada vez mais planos de manejo de sistemas agroflorestais; montar planos de expansão de novos roçados e de recuperação de áreas degradadas; estimular projetos de segurança alimentar e criar um fundo emergencial para comunidades afetadas por desastres climáticos.
No bate-papo online, Roland Widmer, gerente de Programas Territoriais da SITAWI, destacou que essas recomendações foram construídas juntamente com as comunidades locais envolvidas no projeto. Segundo Widmer, esse envolvimento contribui para desenvolver a autonomia das comunidades e a responsabilidade dos próprios moradores na manutenção da floresta em pé e sua biodiversidade.
Assista ao bate-papo aqui e e acesse a íntegra do estudo aqui.