Aniversário de 50 anos do CIR: união e resiliência dos indígenas

Evento reuniu mais de 2.000 pessoas e trouxe histórias de superação e sucesso

Janeiro, 2023 - Rituais e bênçãos orientados por pajés para trazer proteção e purificação aos parentes. Rodas de conversas em que anciãos contaram histórias da luta por direitos indígenas nas últimas décadas. Troca de experiência com parceiros sobre projetos de proteção dos territórios e união em torno de novas conquistas visando ao fortalecimento da cultura indígena. Esses componentes fizeram parte dos quatro dias de evento realizado pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) para marcar as comemorações dos 50 anos da organização.

Cerca de 2.000 pessoas, incluindo indígenas e representantes de entidades parceiras, estiveram reunidas no lago Caracaranã, no município de Normandia (a 187 km da capital Boa Vista), na Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, um dos locais sagrados que simbolizam a luta dos povos da região. O encontro relembrou a história do CIR, com a luta dos indígenas pela demarcação de seus territórios, e discutiu caminhos para os próximos anos.

O CIR é uma das maiores e mais consolidadas organizações indígenas brasileiras. Foi criado em 1971, quando um grupo de tuxauas (lideranças indígenas) realizou a primeira assembleia, na região Surumu, em defesa de seus direitos

Para nós, falar de 50 anos é mostrar resistência, resiliência e persistência da nossa luta. Fazer uma festa dessa para celebrar grandes conquistas é, de fato, levar ao mundo a voz dos povos indígenas. Dizer que temos uma organização respeitada e reconhecida é falar da nossa capacidade de organização, de falar por nós, de consagrar os direitos que temos”, disse o coordenador-geral do CIR, Edinho Batista, do povo Macuxi, da comunidade Maturuca, na TI Raposa Serra do  Sol.

Para Joênia Wapichana, que participou das comemorações, além de trabalhar com a defesa dos direitos territoriais dos povos indígenas de Roraima, o CIR tem o desafio de continuar avançando na gestão dessas áreas. “Depois que conseguimos definir, proteger, demarcar e homologar as terras, como foi com a Raposa Serra do Sol, agora o trabalho envolve a gestão destas áreas. Nesse contexto, entram os projetos de desenvolvimento sustentável coerentes com o que a gente defende, com proteção de recursos naturais, valorização das boas práticas e manejo sustentável”, disse. 

Joênia iniciou sua carreira no departamento jurídico do CIR. Fez história ao ser a primeira advogada indígena a se pronunciar no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) durante a homologação que definiu os limites contínuos da Reserva Raposa Serra do Sol, em 2009. Ela também foi a primeira mulher indígena a exercer o mandato de deputada federal e agora é a primeira mulher a assumir a presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).

Empoderamento -  Assim como o exemplo de Joênia, outras mulheres vêm desempenhando papel fundamental no CIR e em suas comunidades no estado. Para fortalecer ainda mais a atuação feminina e ampliar as parcerias buscando novos projetos, o CIR está criando o Departamento de Mulheres Indígenas, além da atual Secretaria Geral do Movimento de Mulheres Indígenas.

“O fortalecimento da atuação das mulheres vem através do nosso empoderamento. As mulheres têm voz e precisam ecoar suas vozes cada vez mais”, completou Maria Betânia Mota de Jesus, secretária-geral do CIR.

Parcerias - Um dos projetos desenvolvidos pelo CIR com o objetivo de promover a governança e a gestão territorial e ambiental das TIs é o “Promoção do Bem-Viver da População Indígena no Estado de Roraima”. Com o apoio da USAID/Brasil, o Bem-Viver é implementado em parceria com o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e a Nature and Culture International (NCI). 

Além da implementação da Política Nacional da Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI), o projeto prevê também o fortalecimento institucional do CIR e a estruturação de práticas sustentáveis da pecuária indígena, introduzida pelas comunidades da região há mais de quatro décadas.

A diretora do Programa de Meio Ambiente da USAID/Brasil, Catherine Hamlin, participou do evento e comemorou. “É a primeira vez que venho a Roraima e fiquei muito inspirada. É interessante ver o CIR, depois de 50 anos, como um modelo, uma referência para comunidades tradicionais no Brasil. Nós do governo americano temos como prioridade apoiar comunidades tradicionais, e o CIR é um exemplo”, afirmou.

Símbolos - Além das trocas de experiências e histórias contadas pelos tuxauas, a juventude também teve importante missão durante as comemorações, representando o futuro dos povos indígenas. Em um dos eventos, jovens compartilharam com os anciãos o feixe de varas, um símbolo da união dos povos indígenas de Roraima.

Durante os quatro dias, o feixe esteve sempre no centro do malocão – uma grande construção de estacas de madeira coberta por palha onde eram realizados os encontros, rituais e danças. “Nossa vitória com a demarcação não é só da Raposa Serra do Sol, mas sim de todos nós. Começamos essa luta e é essa juventude que vai continuar”, disse Jacyr José de Souza, do povo Macuxi, um dos pioneiros do CIR, tendo sido o primeiro vice-coordenador da organização no início dos anos 1970.

O processo de demarcação da TI Raposa Serra do Sol, uma das maiores TIs do Brasil, com 1.747.000 hectares, começou há mais de 40 anos até a decisão do STF com a homologação e demarcação da área. Durante estes anos, o território (localizado na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana) foi alvo de diversos conflitos entre arrozeiros, fazendeiros e indígenas. Mesmo com a demarcação, ainda é foco de pressões.

O CIR representa 261 comunidades em 36 TIs, com extensão de mais de 10 milhões de hectares e uma população de cerca de 55 mil indígenas dos povos: Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Patamona, Sapará, Taurepang, Wai-Wai, Yanomami, Yekuana e Pirititi.

Mais informações no site do CIR.