A receita com pirarucu que ligou o Japão à Amazônia em plena Avenida Paulista

** Por Luciana Constantino, jornalista e apaixonada pela boa gastronomia

"O sabor é bom?", pergunta a jovem sentada uns metros à frente de onde eu estava acomodada. "Sim, e tem uma carne branca de textura consistente", responde o garçom, balançando suavemente um folheto preso entre seus dedos.

Quando ele chega à minha mesa, já tentando me entregar o papel, digo que imagino a sugestão do dia: "Vocês estão participando do Festival Gosto da Amazônia, né?". "A senhora já provou pirarucu?", questiona de pronto.

Explico rapidamente que conhecia o festival porque havia feito uma reportagem sobre o pescado. Mas para mim ainda era um mistério o sabor daquele peixe, que eu sabia ser tão importante na vida de ribeirinhos e indígenas na Amazônia. "Não vai se arrepender", ele replicou. E estava certo. 

Era um almoço de um sábado de sol no fim de novembro de 2020, em plena pandemia de COVID-19, que já afetava drasticamente o setor gastronômico e causava perdas irreparáveis de vidas humanas. Depois de meses reclusa em casa, caminhar pelas ruas semi-vazias de uma São Paulo outrora lotada e agitada causava angústia.

Mas foi um alento ter a experiência de conhecer pessoalmente um pouquinho de um sabor da Amazônia naquele restaurante japonês, instalado em plena Avenida Paulista, que sempre frequentei antes do novo coronavírus virar tudo de cabeça para baixo.

No prato criado pela chef Telma Shiraishi, do restaurante Aizomê, o pirarucu era marinado no sakê e no missô (um ingrediente tradicional da culinária japonesa feito à base da fermentação de soja e sal) e grelhado, acompanhado de cogumelos e de uma conserva (tsukemono) de maxixe. 

A cada pedaço saboreado, pensava como a culinária pode, ao mesmo tempo, ser instrutiva e acolhedora. Naquela receita havia uma ligação de técnica japonesa a ingredientes originários da África e da Floresta Amazônica. 

Mas também tinha por trás um pouco da vida de cada manejador e de suas famílias, que trabalham o ano todo para monitorar os rios amazônicos, garantir a preservação da espécie e fazer dela uma fonte de renda sustentável.

Mais do que uma experiência gastronômica, o Festival 'Gosto da Amazônia' pode ser uma oportunidade de momentos agradáveis mesmo em meio a tantas dificuldades que ainda vivemos nesses tempos pandêmicos.