Tecnologia ajuda quilombolas na Amazônia a protegerem seus territórios e planejar o futuro
Comunidades semelhantes foram formadas em todo o país e batizadas de mocambos no Pará e quilombos no resto do Brasil. Dados oficiais mostram que 20% dos quilombos estão na região Norte. Os direitos dos quilombolas por suas terras só foram reconhecidos pela Constituição de 1988, aprovada depois do fim da ditadura militar.
Claudinete Colé de Souza nasceu em Boa Vista, uma comunidade de 280 famílias ribeirinhas muito próxima a Porto Trombetas - cidade fundada na década de 1970 para abrigar trabalhadores do que é hoje a maior mina de bauxita do mundo. Tradicionalmente, estas famílias viviam da caça, da pesca e da coleta e venda de castanhas do Brasil. “Paramos de plantar mandioca, de fazer farinha e a maioria das pessoas de Boa Vista hoje trabalham na mina na limpeza ou jardinagem,” conta.
Há dois anos, Claudinete tornou-se a primeira mulher eleita como Coordenadora da a Associação de Comunidades Remanescentes de Quilombos de Oriximiná (ARQMO), sonhando em melhorar a qualidade de vida para quilombolas na Amazônia. Nem todos em Boa Vista e outras comunidades têm acesso a água potável e saneamento e mais de 70% dos quilombolas vivem em situação de extrema pobreza.
Boa Vista foi o primeiro quilombo do Brasil a obter o título da terra em 1990, foi seguido por outros na região, mas quatro comunidades ainda esperam pela titulação. Quando a USAID fez uma parceria com o Google Earth e a ONG brasileira Equipe de Conservação da Amazônia (ECAM) no projeto Novas Tecnologias e Comunidades Tradicionais, os quilombolas de Oriximiná tiveram acesso a ferramentas para desenvolver planos comunitários de gestão com base em metodologias usadas para implementar as políticas de gestão territorial em territórios tradicionais e indígenas. O projeto garantiu treinamento no uso de smartphones, no desenvolvimento de questionários e na utilização do Google Earth como instrumento para ajuda-los a resolver as questões consideradas mais importantes para eles.
“Usamos o Google Earth para mapear o nosso território e ODK, outro software livre de licença para fazer uma análise detalhada da situação social e econômica das comunidades quilombolas de Oriximiná. Estamos fazendo um censo com perguntas que decidimos ser as mais importantes. E estamos mapeando nossas áreas produtivas e de pesca,” explica Claudinete. Este processo pode ajudar a acelerar a obtenção dos títulos de propriedade e garantir seus direitos.
Ela conta com orgulho que “pela primeira vez, fomos capazes de ir nós mesmos a campo, falar com as pessoas, fazer perguntas, ouvir as histórias que tinham para contar e transferi-las para os mapas. Através dos anos, pesquisadores chegavam e iam embora e nunca soubemos dos resultados e conclusões de suas pesquisas. Agora somos donos das informações”.
Jovens quilombolas estão sendo treinados pela ECAM em parceria com Google e YouTube e apoio da USAID para criar seus próprios canais e poder mostrar sua cultura para o mundo, preservar a memória dos mais velhos, que ainda se lembram do tempo em que viviam escondidos do resto do mundo.
A primeira análise socioeconômica foi finalizada no final do ano, com dados sobre água, saneamento e educação e Claudinete se prepara para liderar o processo de criação de um plano de gestão da comunidade, que está sendo chamado de Plano de Vida: “Pelos relatórios, vamos saber que problemas são mais sérios, que comunidades precisam de mais ajuda, que famílias são as mais necessitadas. Também vamos poder acessar políticas públicas sem depender de prefeitos ou do governador para assistência. Estamos agora aprendendo a escrever projetos para buscar financiamentos disponíveis”, comemora.
O mapeamento e a coleta de dados das 37 comunidades quilombolas do município ficarão prontos no final de 2018 e Claudinete já sonha com a criação de um fundo para ajudar as comunidades a se prepararem para a vida após a partida da empresa de mineração.