Série Mulheres da Amazônia

A cada mês, apresentaremos uma história sob a ótica de gênero na Amazônia; a primeira será a da liderança indígena Alcimara Karipuna

Fevereiro, 2023 - “Nós mulheres temos um olhar muito amplo para a natureza, temos um cuidado, uma sensibilidade. As trocas de conhecimento, de aprendizagem e de experiência em cursos de formação são muito importantes”, diz Alcimara Karipuna, liderança indígena no estado do Amapá e vice-coordenadora-geral da Associação Indígena do Povo Karipuna (AIKA).

Primeira mulher a ter um cargo de coordenação na AIKA desde que a associação foi criada, em 2010, no município de Oiapoque (Amapá), Alcimara é uma das indígenas que lutam pela participação feminina nos espaços de decisão de suas comunidades na Amazônia. Ela é da aldeia Santa Isabel, na Terra Indígena Uaçá, filha de lideranças – o pai foi cacique.

A AIKA foi uma das oito entidades selecionadas para implementar projetos de recuperação de áreas degradadas e recomposição de vegetação nativa em Terras Indígenas (TIs). O projeto (leia mais aquifaz parte do Programa de Manejo Florestal e Prevenção de Fogo no Brasil, executado pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS), com o apoio da USAID/Brasil, dentro da Parceria para a Conservação da Biodiversidade na Amazônia (PCAB), em colaboração com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).

 

Como começou sua participação na associação?
Alcimara - Sou a primeira mulher a coordenar a nossa associação Karipuna. Antes, eu trabalhava na organização da juventude aqui do Oiapoque, chamada OIJO (Organização Indígena dos Jovens de Oiapoque). Houve uma assembleia da AIKA para mudar a diretoria porque a associação ficou muito tempo parada, quase acabou por falta de pessoas que quisessem estar à frente dela. Cheguei no último dia para a escolha da nova diretoria e me indicaram. Foi uma coisa assim: de dentro para fora. Fui eleita com 97 votos.

Como você foi recebida na coordenação da AIKA já que era a primeira mulher a ocupar este cargo na associação?
Alcimara - Queria participar, mas desacreditava que poderia estar ocupando este espaço. Pelo fato de ser mulher, a gente ainda tem esse receio: “Será que eu consigo? O que vou fazer de fato dentro dessa organização?”. Além de conseguir estar nestes espaços, superei o medo de estar ali. Não é fácil ser mulher, jovem. Ao mesmo tempo em que você tem pessoas do seu lado dizendo que acreditam em você, tem aquelas que não acreditam no seu potencial por ser mulher. Ter entrado para a associação foi e ainda é uma experiência muito grande. Consegui estar em vários espaços, fazendo com que a nossa associação fosse reconhecida novamente junto com o nosso coordenador-geral, que sempre me incentivou.

E a sua família, aceitou a sua participação e liderança?
Alcimara - Minha família tem um histórico de liderança. O meu avô era chefe de posto. O meu pai foi cacique e o meu avô por parte de pai também foi cacique. Meus tios, a maioria, passaram pelo “cassicado” dentro das comunidades Karipuna. Venho de uma linhagem de liderança. Eles falam que está no sangue, a gente não consegue dizer não. 

Que resultados você tem obtido ocupando este cargo de liderança e tomada de decisão?
Alcimara - A minha trajetória dentro da associação está sendo muito boa. Digo que cresci bastante, acreditei em mim mesma. Tirei aquele medo de ter um monte de ideias para compartilhar e contribuir com meu povo. Hoje eu consigo ver que o que estou fazendo dentro da associação é histórico: ter uma mulher à frente da organização. Conseguimos estar nos espaços de discussões e de tomada de decisões.

Qual a mensagem que você deixa a outras mulheres?
Alcimara - Minha mensagem é que elas ocupem os espaços de liderança e estejam sempre presente nas tomadas de decisões em seus territórios e organizações. Estar nestes  espaços nos faz entender que não é só tomar decisões e defender os direitos dos nossos territórios, mas conquistar o respeito e o direito do nosso próprio corpo. Nosso corpo é território e precisa ser respeitado e defendido. É garantir o empoderamento e a autoconfiança.

Resultados - Ao longo de 2023, o informativo da PCAB vai trazer histórias de luta e sucesso de mulheres contadas por elas mesmas. São indígenas e ribeirinhas que trabalham e contribuem para o desenvolvimento de suas comunidades tradicionais, moradoras de áreas de proteção da floresta amazônica com toda sua diversidade ecológica. 

Somente no ano passado, mais de 12 mil mulheres tiveram ganhos econômicos com base em projetos apoiados pela USAID/Brasil. Muitas das atividades desenvolvidas no âmbito da PCAB dependem da participação e da liderança feminina, por isso 41% dos 29 mil beneficiários dos projetos no Brasil em 2022 eram mulheres.