Série Mulheres da Amazônia

Quatro indígenas buscam seu sonho e espaço na comunidade por meio das brigadas

Novembro/Dezembro, 2023 - As mulheres da “Série Amazônia” contam por suas próprias vozes as histórias de luta, superação de obstáculos e sucesso em busca de uma Amazônia mais resiliente. Morando em comunidades tradicionais, essas indígenas e ribeirinhas trabalham e contribuem para o desenvolvimento e proteção de seus territórios e povos, mantendo a floresta em pé. 

Nesta edição, trazemos um especial com quatro mulheres indígenas brigadistas florestais – ocupação geralmente desempenhada por homens. Elas enfrentaram muitos desafios em suas comunidades, conseguiram conciliar as várias tarefas – casa, filhos, trabalho etc. – e combateram o machismo. Hoje são inspiração para outras mulheres.

A seguir o depoimento de representantes dos povos Apinajé, Gavião, Krikati e Xerente.

. Janaina Ribeiro Apinajé, mora no município de Tocantinópolis, no estado do Tocantins. Tem dois filhos. Está fazendo curso de Educação no Campo e chefe da brigada voluntária de mulheres indígenas do povo Apinajé. 

“Decidi buscar a brigada por causa do exemplo do meu marido. Eu sabia que não são só os homens que precisam cuidar da nossa terra. Nós também precisamos e estamos aprendendo. Antes de entrar para o grupo eu tinha dificuldade de sair de casa, tinha os filhos. Muitas mulheres deixam de fazer as coisas para cuidar dos filhos. Hoje sou mãe, universitária, mas tiro um tempo para dividir com as mulheres guerreiras da brigada, para participar das reuniões. A faculdade está me ensinando a deixar a timidez de lado e a expressar meus pensamentos, meus sonhos. 

Estamos criando coisas que não conseguíamos antes, usando tecnologia para aprender e desenvolver nossas atividades. Nós, voluntárias Apinajé, reconhecemos que somos capazes de fazer coisas que antes tínhamos dificuldade, como falar em público, sair da comunidade, persistir. 

Participar do 1º Encontro de Mulheres Indígenas Brigadistas Florestais foi uma importante troca de experiências. Conseguimos ver que não estamos sozinhas ao lutar pelas nossas nascentes de água, nossas florestas, nossos povos. Meu sonho é que a mulher indígena consiga seu espaço, saiba que é capaz e não desista de proteger e cuidar do meio ambiente. Juntas somos fortes.”   

Brigada Voluntária Feminina Apinajé
Foi criada em novembro de 2022, composta por 30 mulheres que se dividiram em três núcleos – sistema florestal e restauração; educação ambiental e combate ao fogo com articulação com a brigada do PrevFogo/Ibama.

 

. Marcilene Gavião, mora na Terra Indígena Governador, no estado do Maranhão. Tem dois filhos. É artesã e chefe de esquadrão da brigada voluntária florestal do povo Gavião.

“Quando entrei na brigada, foi difícil conciliar casa, filhos e o marido, que não entendia o meu trabalho fora. Tinha resistência. Enfrentei esta luta, com minha mãe também participando da brigada, e hoje meu marido nos apoia, faz o papel de pai e cuida da casa. 

Participei da Marcha das Mulheres Indígenas e vi a luta para conseguir espaço. Antes da brigada voluntária, nosso povo não tinha reunião de mulheres e não podíamos participar dos encontros dos homens. Hoje não dependemos deles. Fazemos nossos planos de trabalho e conseguimos espaço. A brigada é uma forma de fortalecer a cultura e manter firme a língua materna. 

O 1º Encontro de Mulheres Indígenas Brigadistas Florestais foi um momento histórico. Aprendemos coisas novas, trocamos experiência, ouvimos as histórias das mulheres que estão contratadas. As brigadistas Xerente servem de exemplo. Estamos lutando para conseguir chegar onde elas estão, com treinamento, equipamentos, contratação. 

Estamos vendo o meio ambiente mudar, com o impacto das mudanças climáticas. Temos mais seca, fogo e precisamos estar preparadas. Nosso plano é conseguir treinamento e equipamentos de segurança para estarmos ao lado dos homens, somando forças e ajudando a conservar as florestas.”

Brigada Voluntária Gavião (Pyhcop Cwyj Catiji, que na língua materna significa “Mulheres Gavião”)
Foi criada no final de 2021, composta por 34 mulheres voluntárias de 9 das 12 aldeias da Terra Indígena Governador, que trabalham com viveiro de mudas, educação ambiental e parcerias com a brigada oficial.

 

. Rose Krikati, mora na aldeia São José, na Terra Indígena Krikati, no estado do Maranhão. É uma jovem de 18 anos e integra a brigada voluntária do povo Krikati.

 

“Minha mãe já lutava para trazer mulheres para os movimentos. Eu, como jovem liderança, também quero lutar pelo meu povo e pelos indígenas do Brasil. Juntamente com os nossos anciãos queremos levar a cultura adiante, com nossos cantos, língua materna e tradições, como as corridas de tora.

Quando formamos o grupo das mulheres brigadistas voluntárias, nos sentimos fortes e inspiradas. Hoje a mulher pode ocupar o espaço que ela quiser e temos novas experiências. É um orgulho estarmos nos lugares que queremos. E que venham mais mulheres para o movimento.

Víamos os homens ir para o combate do fogo e começamos a nos reunir e dialogar para ajudá-los. Queremos trabalhar coletivamente. 

Meu sonho é ver cada vez mais mulheres chegarem e que elas consigam ser contratadas.”

Brigada Voluntária Krikati (Caxii Cwy Catiji, que na língua materna significa “Estrela”)
Composta por 17 mulheres voluntárias, que trabalham com viveiro de mudas, educação ambiental e parcerias com a brigada masculina.



 

. Katiane Xerente, da Terra Indígena Xerente, no estado de Tocantins. Tem três filhas. É técnica de enfermagem, cursa Geografia e integra a brigadista indígena Xerente.

“Antes eu só ficava em casa cuidando das filhas. Já estava conformada em ser técnica em enfermagem. Não pensava em buscar mais conhecimento. Mas meu marido me apoiou e ajudou a incentivar outras mulheres a entrarem na brigada indígena. Reconheci que eu deveria buscar mais.

No início, os outros homens da brigada não queriam que as mulheres participassem. Houve resistência. Existe um machismo forte e a ideia de que mulher não pode sair de casa. Mas as coisas estão mudando, há mais mulheres estudando… 

No começo, para mim foi difícil – casa, marido, filhas, serviço. Mas não sou de desistir das coisas que faço e agora consigo dividir as tarefas. Fizemos história entre os Xerente ao ter mulheres, inclusive contratadas, no grupo.

A brigada me ajudou a abrir a mente para o mundo, acrescentou conhecimento, me ajudou a falar em público. Tive a oportunidade de viajar de avião, por exemplo, coisa que eu não planejava. 

Minha filha mais nova dizia que se espelhava no pai. Agora que sou uma brigadista, ela fala que também será uma brigadista por minha causa. Em uma das atividades, uma menina de uns 5 anos disse que queria ser igual às mulheres brigadistas. Sem a gente perceber, já estamos sendo espelho para outras crianças e mulheres.” 

 

Brigada Feminina Xerente 
Criada em agosto de 2021, foi a primeira brigada feminina indígena do Brasil, quando 29 mulheres fizeram a capacitação. Atualmente são 13 mulheres, incluindo as que são contratadas pelo PrevFogo/Ibama.