Série Mulheres da Amazônia
Março, 2023 - “Carrego a liderança do meu pai no sangue e a força da minha mãe como defensora do território. Tudo tem vida e vem dos nossos ancestrais. Tento passar isso para os meus filhos”, afirma Valdelia Cadete Tenente, artista indígena do povo Wapichana.
Mãe de cinco filhos, Valdelia vive na Terra Indígena Araçá, no estado de Roraima, onde trabalha com resíduo de bananeira, transformando o material que seria descartado no lixo em arte.
A partir de uma técnica artesanal de reciclagem da fibra da bananeira, retirada do tronco, a indígena faz papel que pode ser usado tanto para desenhos e pinturas como na confecção de agendas, cadernos e sacolas sustentáveis. Desde que começou a trabalhar com o material já treinou mais de 80 mulheres indígenas que moram em comunidades de Roraima atendidas pelo Projeto “Promovendo o Bem Viver dos Povos Indígenas em Roraima”.
Desenvolvido pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) juntamente com o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e a organização Natureza e Cultura Internacional (NCI), o projeto tem o apoio da USAID/Brasil e visa auxiliar na implementação de ações previstas na Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (leia mais aqui).
Como surgiu a ideia de transformar a fibra da bananeira em papel?
Valdelia - Depois que o cacho de frutas é retirado, a bananeira seca e aquele material é jogado no lixo. Eu já tinha o conhecimento tradicional passado por meus ancestrais e fui desenvolvendo a técnica para conseguir o papel. Além de ser uma forma sustentável de produção e de reduzir a quantidade de resíduos, ajuda a preservar o meio ambiente e é uma conexão com a natureza.
De que forma se dá essa conexão?
Valdelia - Além de usar o papel para produzir sacolas e agendas, também fazemos pinturas e grafismos Wapichana. Com esses desenhos, preservamos a história e a memória dos nossos ancestrais, repassando o conhecimento tradicional para os mais jovens.
O que os desenhos representam para você?
Valdelia - Os desenhos carregam histórias. Faço mestrado em Letras e estudo a escrita por meio do desenho indígena. Muitos deles representam rituais, têm simbologia. O grafismo é uma forma de comunicação e proteção entre nós, povos indígenas. Venho trabalhando e fortalecendo os padrões gráficos, não apenas no corpo, mas no papel artesanal. Há todo um significado dos nossos ancestrais no grafismo, tanto de proteção quanto de representatividade de nossas lideranças. Portanto, a pesquisa fala dessa força deixada pela nossa ancestralidade, o símbolo que a mulher indígena representa e os padrões gráficos que todos os povos utilizam como expressão das nossas culturas.
Você também ensina outras mulheres?
Valdelia - Fiz várias oficinas em comunidades. Vamos aprendendo juntas. É uma forma de elas conseguirem uma renda e de compartilhar conhecimento. Quando eu era criança, fazíamos muitas coisas coletivamente. Minha mãe era uma defensora do território e liderança feminina na comunidade. Trago isso no sangue.
Série - Ao longo de 2023, o informativo da PCAB vai trazer histórias de luta e sucesso de mulheres contadas por elas mesmas. São indígenas e ribeirinhas que trabalham e contribuem para o desenvolvimento de suas comunidades tradicionais, moradoras de áreas de proteção da floresta amazônica com toda sua diversidade ecológica.
Conheça mais sobre o trabalho com fibra de bananeira desenvolvido pela indígena aqui.