Sabores amazônicos ganham mercado nas grandes cidades do sudeste em negócios de impacto social e ambiental

O bacuri é uma fruta típica amazônica, de polpa branca e aroma de flores, que durante boa parte do século XX foi usada como ingrediente brasileiro nas sofisticadas sobremesas servidas a autoridades estrangeiras pelo corpo diplomático. Mas em 2009, quando a engenheira florestal paraense Hortência Osaqui decidiu realizar o sonho do pai de transformar o noroeste do Pará através do manejo do bacurizeiro na região, o delicado e caro bacuri estava esquecido: “Ninguém mais conhecia”, lembra Osaqui.

A história da transformação da Fazenda Bacuri e do potencial comercial das frutas amazônicas  foi contada por Osaqui durante o FIINSA, em Manaus, numa mesa de debates que tinha ainda a nutricionista e chef funcional Samila Seki, que fabrica as farofas de mandioca Samiseki e vende até para supermercados no sudeste do país.

Osaqui construiu a agroindústria para fazer o beneficiamento e inaugurou a primeira fábrica artesanal de geléias, polpas e licores orgânicos certificados e com selo de inspeção federal do Ministério da Agricultura. Em sistema de agrofloresta, a fazenda Bacuri produz ainda outras frutas como açaí, murici, buriti e jambo.

O próximo passo é conquistar mais mercados. Há alguns anos ela frequenta feiras internacionais e nacionais: “Eles dizem que querem a Amazônia, mas não conhecem a Amazônia e seus sabores. Não têm o costume”, diz. As primeira oportunidades surgiram através da Secretaria Especial de Agricultura Familiar, que vem auxiliando o desenvolvimento da gastronomia e do turismo locais através de programas de acesso a financiamentos para agricultura familiar. “Estamos neste processo, sem perder a identidade, o que é mais importante”.

Ela se orgulha em contar que está tendo sucesso num mercado “prostituído”. E explica: “Eu ligava para a Ceasa, me diziam para levar a fruta e combinavam o preço. Quando eu chegava lá, pagavam o que queriam. Fui duas vezes e na segunda levei o meu produto para casa dizendo que tinha boa qualidade e valia mais”. Na Ceasa, ela conta, era proibido levar as frutas em sacos de laranja. Ela voltou para a fazenda, comprou sacos de laranja e vendeu na cidade diretamente para as lojas.

Várias pessoas chegaram para mim e disseram: “A senhora não precisa se preocupar. Eu compro todo o seu produto. Mas queriam colocar a marca delas. Eu dizia: não tenho capacidade, dinheiro e nem sua estrutura. Mas vou chegar lá”.

Ela usa trabalhadores locais na coleta (a árvore alcança até 40 metros de altura e a coleta é feita no chão) e na fábrica. “Os frutos da Amazônia são únicos e agora estamos fazendo este trabalho”. Na verdade, estão retomando. O soft power dos produtos amazônicos, já foi usado junto com o samba e o futebol, para vender a imagem do Brasil. A rainha Elizabeth II, em sua visita ao país em 1968, provou o sorvete de bacuri, elogiou e ganhou caixas de sorvete entregues no Palácio de Buckingham.

Hoje a fazenda produz anualmente 3 toneladas de polpa de bacuri, 800 quilos de cupuaçu, 300 litros de açaí e 300 quilos de buriti, consumidos no sul e no sudeste. E Osaqui está “ namorando” com clientes franceses e italianos. “Minha preparação foi pensando no mercado internacional, mas queria que o Brasil conhecesse meu produto”.

A Fazenda Bacuri, no município de Augusto Correa, a 230 km da capital, Belém, agora é um ponto turístico, visitado principalmente por estrangeiros que querem ver como agricultores sustentáveis trabalham e vivem na Amazônia. O fato de estar entre um rio e o mar, numa região de mangues e rica em aves migratórias é um atrativo a mais. Ela gostaria de ter mais hóspedes brasileiros e se queixa de que “a agricultura familiar não é vista. Mais de 70% do que vai à mesa do brasileiro vem da agricultura familiar”, lembra.

“Estamos fazendo agora um trabalho para mostrar à comunidade que produzimos frutos maravilhosos e isto é possível. Levamos os turistas à comunidade também para se sentirem importantes. O nosso produtor rural tem uma autoestima muito baixa”, explica. Estamos em busca deste mercado, para mudar esta história, trabalhar a questão da venda e da visibilidade da economia do bacuri no nosso município e no Pará, que é invisível”.

Foto: Divulgação FIINSA
Foto: Divulgação FIINSA
Vendendo neve para esquimó

O diretor-executivo do Centro de Empreendedorismo da Amazônia, Raphael Medeiros, brinca que Samila Seki conseguiu um feito tão impossível quanto vender neve para esquimós: ela comercializa farofa no Pará, onde a farofa está sempre presente nas refeições.

Seki diz que estava lutando contra a percepção de que a farofa engordava e começou a fazer testes com receitas funcionais. O difícil foi a comercialização: “Conseguir as regulamentações, lutar contra a falta de tecnologia foi o maior problema. Passei por validades de um, três, seis meses e agora estou com oito meses”. Ela também se deparou com dificuldades de logística e de aceitação – “a cultura de comer farofa é muito mais forte aqui do que em São Paulo” – e até de embalagens: “A maioria das pessoas que trabalham com alimentos não encontram embalagens locais na Amazônia e embalagens sustentáveis também são uma grande dificuldade”.

As duas mostraram que não é fácil ter negócios que exploram a gastronomia e a culinária amazônica, trabalhando em pequenos negócios, “mas não é impossível”, diz Seki.

Medeiros acredita que as duas conseguem bater na porta dos grandes centros com um produto bom da Amazônia, talvez similar aos do sudeste. Os produtos amazônicos vendidos em SP de cara já são mais caros, porque é muito mais caro produzir no norte. “Um produto amazônico tem que ser muito bom para competir no sudeste e as duas provaram ter”.