Quilombola participa de conferência do Google apresentando projeto de mapeamento por satélite e coleta de dados com celulares
Após três dias de viagem, Patrícia Costa, da comunidade quilombola de Alto Pirativa, no Amapá, chegou à sessão da conferência Geo for Good do Google, na Califórnia em setembro. Junto com Muryel Arantes, da ECAM, ela contou como foi o processo de mapeamento das comunidades quilombolas do Amapá. As informações socioeconômicas coletadas serão utilizadas para melhorar a gestão dos territórios quilombolas a partir da identificação das necessidades de cada comunidade.
Antes da viagem, a pedagoga e produtora de farinha estava um pouco nervosa: “Nossa, a princípio dá aquele arrepiozinho na barriga, atrás das costas, mas pra mim é uma extrema gratidão por conta da ECAM”. A emoção vem também porque quando se inscreveu no edital para participar do Compartilhando Mundos, ela não sabia se seria selecionada por conta da idade. “Eu falei assim, será que eu vou me inscrever? Não, eu vou me inscrever, mas acho que não vão aprovar, porque eu tenho 31 anos. É só para os jovens. Aí aprovou. Vou estar representando meu estado, meu quilombo. E o que eu tenho que fazer lá é aprender mais, e eu vou poder compartilhar.”
“Compartilhando Mundos” é a segunda fase de um programa da ECAM que treinou jovens quilombolas em ferramentas de mapeamento em coleta de dados como Google Earth e ODK. Nesta nova fase, os dados coletados pela comunidades são analisados e utilizados para ajudá-los a compartilhar suas realidades com o mundo e criar colaborações para identificar soluções para os desafios apresentados. O objetivo é oferecer ferramentas tecnológicas para que os jovens das comunidades possam sistematizar e estruturar suas necessidades, como saneamento básico, água potável, educação e serviços de saúde.
A longa jornada de Patrícia começou em sua comunidade, só acessível por barco, nas margens do rio Matapi, a 84 quilômetros de Macapá – que se traduzem em três horas numa voadeira e da capital amapaense, foram mais três viagens de avião para chegar à Califórnia.. Em Brasília, poucos dias antes de embarcar, ela contou um pouco sobre o processo de coleta de dados e o que o projeto tem significado para as comunidades quilombolas - ao dar autonomia para que possam identificar demandas e soluções.
PCAB: Por que você quis participar do projeto?
PATRÍCIA COSTA: Sempre foi parte da minha luta. A minha mãe mesmo me perguntou o porquê e eu falei: mamãe, isso é uma riqueza. Mapear uma área quilombola. Você com um clique já vê tudo o que tem. Eu nunca pensei em conseguir fazer um mapa deste. Eu só fazia responder. E hoje não, eu sei responder e eu sei fazer.
PCAB: Como era o processo para ir às comunidades fazer o levantamento?
Patrícia: Toda sexta feira a gente caía em campo. A gente ligava na quarta-feira anterior para o líder da comunidade, explicava o projeto, perguntava se era necessário fazer uma reunião antes com toda a comunidade. Depois de marcar, a gente tinha essa facilidade de falar com as pessoas, já avisadas. E o jovem da comunidade (que participou do projeto da ECAM) estava lá esperando para ajudar.
E se as pessoas não confiassem que estávamos pegando as informações corretas, a gente mostrava que tinha escrito – olha só, é só isso que você tá respondendo. E nem fica com a gente, já vai direto para o satélite. Não tem nem como eu corrigir. Eles se sentiam mais tranquilos, porque as pessoas sabiam que a gente não ia inventar.
PCAB: Como o projeto foi recebido pelas comunidades?
Patrícia: Quem sempre entrou nas nossas áreas quilombolas foram essas pessoas estudiosas: antropólogos, geógrafos, pessoal das universidades. Mas nem sempre quando falávamos, eles mostravam a nossa realidade como nós contávamos. E nunca voltam. Não tem aquele retorno que a comunidade espera. E com esse curso não. Com a ECAM, foram os jovens quilombolas que foram para dentro dos quilombos (coletar dados).
PCAB: O que o projeto trouxe para as comunidades?
Patrícia: As comunidades que participaram desse projeto elas só ganharam, porque elas já tiveram um retorno, que foi agora em agosto quando a gente teve a resposta em Maruanum. Tem comunidade que não tem escola, não tem igreja, não tem água tratada, e para mim e para o meu grupo, esse levantamento foi muito valioso, porque é algo que fica.
O encontro no Maruanum foi de reflexão, porque as demandas que o meu grupo fez, e as demandas que os outros grupos fizeram, quando eu falo demanda são os levantamentos. A gente teve aquela reflexão: poxa, lá na minha comunidade não tem isso, vou anotar. Aí o outro líder que estava lá viu: olha bacana, isso tem lá na outra, deu certo lá, bora fazer. Com o levantamento as comunidades vêem o que precisam e podem correr atrás.
A gente tá saindo da nossa zona de conforto, do nosso quilombo para ajudar o outro, que é a mesma dor. A recompensa é que se a gente for jogar no google, em qualquer lugar, vai aparecer quantas comunidades quilombolas tem, quais as necessidades, dificuldades, o que falta chegar, as políticas públicas. Quando a gente vai analisar os dados, a gente consegue ver o que precisa e acessar as políticas públicas.
Assista a apresentação de Patrícia no vídeo abaixo: