Projeto fomenta a pecuária indígena sustentável em Roraima

Seminário discutiu propostas para avançar no melhoramento genético e na comercialização do rebanho bovino da Raposa Serra do Sol

A produção sustentável de gado na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), em Roraima, está passando por um processo de inovação em 2020. Um dos desafios é renovar o compromisso no programa de criação comunitária de gado, que neste ano completou quatro décadas, além de implementar melhores práticas de produção pecuária, garantindo a sustentabilidade ambiental e a proteção do território indígena.

Para ajudar as lideranças indígenas nesta etapa, o projeto Bem-Viver dos Povos Indígenas de Roraima está articulando implementação de programas-piloto com foco no apoio a novas técnicas de manejo do gado, melhoramento genético do rebanho e comercialização. A ideia é implantá-los em três polos da terra indígena — Serras, Surumu e Raposa/baixo Cotingo —, trabalhando com cerca de 5 mil cabeças de gado em cada um deles. Há aproximadamente 50 mil reses no rebanho indígena da região.

Essas propostas foram discutidas no seminário “Pecuária Indígena Sustentável”, realizado entre os dias 16 e 18 de março no Lago Caracaranã (no município de Normandia, a 149 km de Boa Vista). O encontro reuniu líderes de mais de 200 comunidades de Roraima.

O evento foi organizado pelo Bem-Viver, que é promovido pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), ONG Nature and Culture International (NCI) e Conselho Indígena de Roraima (CIR). Ele visa melhorar a governança territorial e a gestão ambiental de terras indígenas em Roraima, além de promover a geração de renda por meio do desenvolvimento sustentável da cadeia produtiva de gado, conservando seu território e reduzindo práticas não sustentáveis.

As atividades do Bem-Viver também são focadas no desenvolvimento e implementação de Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) em toda a terra indígena Raposa Serra do Sol (que engloba 1,7 milhão de hectares). 

“Conseguimos colocar para os indígenas um modelo que remove os gargalos no sistema de produção atual. Reunimos representantes de todas as regiões, lideranças mulheres, jovens, e também tradicionais. Os modelos propostos estão desenvolvidos com base no anterior, culturalmente absorvíveis”, explica Reinaldo Lourival, coordenador do Bem-Viver na NCI.

Com o fechamento das áreas da TIRSS provocado pela pandemia do novo coronavírus desde o fim de março, o objetivo nos próximos meses será conversar com os indígenas para avançar na construção das ações e na implementação delas.

O início — O projeto atual de produção sustentável de gado, conhecido como “M Cruz - Uma vaca para o índio”, começou em 1980, bem antes da demarcação, que ocorreu só em 2009. Era uma época em que a região estava sob intensa invasão de garimpeiros, madeireiros e grileiros. O projeto propôs a atividade pastoril coletiva e autônoma com o objetivo de promover a segurança alimentar e a gestão do território indígena.

Agora, anos após a demarcação, essa realidade de invasões voltou a rondar as comunidades da região com a pressão para a abertura das terras indígenas  do Brasil ao arrendamento e à mineração. “Neste contexto estamos buscando fortalecer o projeto de produção de gado, que deu autonomia aos indígenas e é sustentável”, afirma Lêda Leitão Martins, coordenadora de campo da NCI.

De acordo com a proposta do projeto “Uma vaca para o índio", que nasceu em Maturuca (a 153 km de Boa Vista), o gado era entregue pela Diocese de Roraima a uma determinada comunidade em lotes de cerca de 50 animais. O rebanho ficava por cinco anos e depois a comunidade o repassava a outra aldeia. Com isso, ocorreu o fortalecimento da relação entre as comunidades, além da geração de alimentos e renda.

Um dos que ajudou a implementar o projeto na década de 80, juntamente com lideranças indígenas, foi o padre Giorgio Dal Ben, que também participou do seminário. Além dele, estavam no evento, pesquisadores da Embrapa de Roraima e de Mato Grosso do Sul, um produtor rural do Pantanal (MS) e dois indígenas do povo Kadiwéu, que habita a região de fronteira entre MS, Bolívia e Paraguai.

Uma das ideias é usar o modelo de criação de gado desenvolvido no Pantanal como exemplo para a TIRSS. Em MS, os produtores compram os bezerros e levam para pastagem nativa, área de baixo custo e sustentável.

Anselmo Dionísio Filho, coordenador da etno região Surumu, que viajou ao Pantanal com auxílio do projeto Bem-Viver para conhecer a pecuária da região e aprender as técnicas de manejo em 2019. Ao participar do seminário no Lago Caracaranã, Dionísio, da etnia macuxi, comemorou: "Estou feliz porque estamos tendo espaço para avançar nas nossas criações e produções”.

Nilo Batista André, coordenador do “Uma vaca para o índio” na região das Serras, lembra que houve uma redução no rebanho nos últimos anos. “Com o projeto, estamos buscando melhorias. Essa parte do Bem-Viver vai nos fortalecer muito”, afirma o líder, que também é macuxi. Segundo ele, a região das Serras tem 56 lotes de criação, com 15.375 cabeças de gado no total.

Recursos - De acordo com Lourival, também foi proposto durante o seminário um sistema de divisão do dinheiro obtido com a nova forma de comercialização do rebanho. Caso as lideranças indígenas aceitem a ideia, metade do valor arrecadado seria repassado aos produtores, um quarto iria para a cooperativa e o restante para um fundo comunitário a ser criado.

Esse fundo poderia usar a verba em melhorias nas comunidades, por exemplo, equipando escolas ou incrementando a infra-estrutura de aldeias.