Pesquisa desvenda realidade de territórios quilombolas na Amazônia
Parceria da Ecam, USAID/Brasil, Google Earth e outras entidades usou metodologia inédita, que teve a participação das comunidades em todas as etapas, valorizando a cultura e a tradição
Conhecer a realidade dos quilombolas que vivem na Amazônia brasileira por meio de instrumentos de pesquisa desenvolvidos pelas próprias comunidades e usar esses resultados para promover reflexões e a busca de novos caminhos, valorizando a cultura e a tradição. Tudo isso está na publicação "Quilombos e quilombolas na Amazônia: os desafios para o (re)conhecimento”, fruto de mais de três anos de trabalho em comunidades de seis Estados.
Os levantamentos e análises foram realizados por meio dos programas Novas Tecnologias e Povos Tradicionais e Compartilhando Mundos, uma parceria entre a Ecam, a USAID/Brasil e o Google Earth Outreach, fazendo parte da PCAB. Contou com o apoio da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).
Usando uma metodologia inovadora, os questionários foram aplicados em 3.203 casas de 107 comunidades, envolvendo 12.483 quilombolas de todas as idades. Ao contrário da maioria dos estudos sobre essas populações, o Compartilhando Mundos capacitou os próprios moradores, principalmente por meio dos jovens, para que eles mesmos realizassem a pesquisa. Entre os objetivos estava o de apoiá-los na busca pelo registro da história, fortalecimento de laços com outras comunidades e acesso a políticas públicas. Agora a proposta é que essa metodologia possa ser replicada em Estados de outros biomas, além da Amazônia Legal.
“Foi um divisor de águas muito importante na vida dos territórios quilombolas por apresentar, via uso de ferramentas e tecnologias, o fortalecimento da própria comunidade”, avalia Chagas Souza, da CONAQ.
A pesquisa foi organizada em blocos: 1) quem somos (trata de características históricas e aspectos culturais); 2) nossa infraestrutura (sobre acesso a água, energia, saneamento); 3) nosso trabalho (apresenta o conceito de trabalho e renda na perspectiva dessas populações, além de suas principais fontes de sustento) e 4) nossos direitos e cidadania (acesso a benefícios, créditos, direitos básicos, segurança).
Resultados - As informações, dados e gráficos da publicação estão disponíveis na internet. No geral, as comunidades dos seis Estados — Maranhão, Tocantins, Amapá, Rondônia, Mato Grosso e Pará — registram uma predominância de jovens, considerados responsáveis pela busca de novas formas de desenvolvimento do território, mas sem deixar valores e respeito pelos griôs do quilombo. "O conceito de Griô vem da África e é uma referência, uma inspiração. Eles são uma biblioteca da tradição oral, onde há o respeito aos integrantes mais idosos das comunidades”, explica a publicação.
No total, 40% das pessoas que vivem nessas comunidades têm até 19 anos e outros 31% ficam na faixa entre 20 e 39 anos. Na outra ponta, acima dos 80 anos, são apenas 2%. Em relação ao acesso às políticas públicas e melhorias de infraestrutura, houve um avanço nos últimos anos, mas a CONAQ ressalta que 75% da população quilombola no Brasil ainda vive em situação de desigualdade social. Os dados da pesquisa apontam que a maioria das residências (67% dos que responderam) destinam o esgoto em fossa séptica e só 0,3% é tratado. Ao falar do acesso à água, 55% usam poço artesiano.
A maior parte dos entrevistados recebe até um salário mínimo (hoje em R$ 1.045,00). As famílias quilombolas compõem sua subsistência com outros itens além do dinheiro, por exemplo, com o resultado da produção, mas isso não foi computado neste momento.
"Que esses resultados possam vir a instrumentalizar a CONAQ e as comunidades em busca de seus direitos. Alimenta-se a possibilidade de criar políticas de forma participativa e colaborativa em que as demandas das comunidades sejam incluídas efetivamente. Ao mesmo tempo, permanecem os desafios das mulheres e homens, que há séculos lutam pela garantia de direitos de terem suas vozes reconhecidas e respeitadas”, conclui o estudo.
Acesso - "Percebemos que não havia informação centralizada sobre as comunidades quilombolas. Conversando com financiadores para saber a razão de não ter editais para essas regiões, eles diziam que não havia dados para direcionar recursos de forma embasada. Com o Compartilhando Mundos, queremos colocar essas comunidades no mapa, entender como elas vivem, a realidade e, a partir daí, compreender a diversidade que é o Brasil", avalia o diretor executivo da ECAM, Vasco van Roosmalen.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não tem dados gerais da população que se considera quilombola. Ela será identificada pela primeira vez no próximo Censo, adiado de 2020 para 2021 por causa da pandemia de Covid-19. No entanto, o IBGE estima que o país tenha 5.972 localidades quilombolas, divididas em 1.672 municípios. Do total, 404 são territórios oficialmente reconhecidos, 2.308 são denominados agrupamentos quilombolas e o restante (3.260) identificados como outras localidades quilombolas.
Para a coordenadora do projeto, Meline Machado, a ideia "não é só compartilhar as histórias das comunidades, mas também as realidades vividas". "O trabalho mostrou o quanto elas têm força e resistência, como são firmes na defesa da cultura, dos costumes. Por outro lado, passam por imensos desafios”, avalia Meline.