O esforço comunitário que vem salvando tartarugas da extinção no Rio Trombetas
Promover capacitação e dar apoio aos moradores locais na Amazônia para que eles se engajem cada vez mais em projetos de conservação da biodiversidade, obtendo como resultado a geração de renda e a melhoria da qualidade de vida. Esse círculo virtuoso está ajudando a salvar espécies de quelônios, principalmente a tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa) que corre risco de extinção.
Em janeiro, foi finalizada a temporada 2020 do Programa Quelônios do Rio Trombetas (PQT), com a soltura de filhotes em praias de desova na Reserva Biológica (Rebio) do Rio Trombetas, no Estado do Pará. Por ano, são mais de 50 mil quelônios soltos, número que tem se mantido elevado como resultado do trabalho de monitoramento desenvolvido na região.
O PQT está inserido no Projeto Monitoramento Participativo da Biodiversidade (MPB), que conta com suporte da Parceria para a Conservação da Biodiversidade na Amazônia (PCAB). É desenvolvido pelo IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O monitoramento tem também o envolvimento de cerca de 80 monitores locais, que vivem em comunidades quilombolas na Rebio, localizada no município de Oriximiná. Eles são responsáveis pela conservação de três espécies de quelônios - tartaruga-da-Amazônia, tracajá (Podocnemis unifilis) e pitiú (Podocnemis sextuberculata) - em 13 praias de desova.
São esses monitores que, nos meses de vigilância dos tabuleiros dos ovos, se revezam nas praias para protegê-los de animais predadores, caçadores ilegais e contrabandistas. O período de monitoramento normalmente vai de julho -- quando os quelônios começam a buscar locais para desova -- até novembro ou dezembro -- meses em que os últimos ovos eclodem. Os monitores recebem um suporte financeiro porque têm que ficar nas praias, longe de suas comunidades, impossibilitados de manter outras fontes de renda.
“Faço porque gosto, tenho amor no que faço. Poder compartilhar nosso trabalho e amor pela natureza me deixa muito contente”, diz Manuel dos Santos, conhecido como “Socó”, voluntário e monitor de biodiversidade da REBIO Trombetas.
Na última temporada, no entanto, por causa da pandemia de COVID-19, o PQT passou por ajustes. Os monitores iam e voltavam das praias alternadamente, sem se mudar para lá, e os eventos de soltura de grande porte foram suspensos para evitar aglomerações. Além disso, os envolvidos receberam kits de prevenção, incluindo máscaras, álcool em gel e outros equipamentos.
"Uma das preocupações dos monitores com o fato de não poderem se instalar nos pontos de desova por causa da pandemia era que houvesse uma redução de ovos, com saques e roubos. Mas foi um número bom de ninhos e filhotes. Não houve queda em relação aos anos anteriores", explica a bióloga do IPÊ Virgínia Bernardes.
Desde 2017, o número de filhotes soltos das três espécies por temporada tem ficado acima dos 50 mil. Além disso, segundo Bernardes, houve um aumento significativo de fêmeas que desovaram nos tabuleiros do Rio Trombetas, chegando a 800 em 2019.
A quantidade de fêmeas desovando mostra que o projeto de monitoramento vem dando frutos, pois reflete o resultado da proteção de fêmeas jovens ou soltas nos anos anteriores.
A REBIO - A Reserva Biológica do Rio Trombetas, Unidade de Conservação (UC), foi criada no início dos anos 1980. Foi então que surgiu o programa quelônios, em outro formato, com o objetivo de preservar, entre outras espécies, a tartaruga-da-Amazônia.
Essa espécie foi quase extinta por ser um dos principais alvos de caça e contrabando na região, principalmente por causa do consumo da carne e dos ovos.
"Nos últimos anos, percebemos que tem havido um maior engajamento dos moradores locais da reserva, que também têm recebido mais capacitação e apoio de parceiros do PQT. A conservação dos quelônios é passada de pais para filhos. Os resultados temos visto a cada temporada de soltura dos filhotes", comemora Bernardes.
Essa tradição de pai para filho está no dia a dia dos monitores de biodiversidade da REBIO, como é o caso de Manoel Raimundo dos Anjos. “O trabalho com os quelônios, a gente sabe que é bom para nós comunitários e bom para nossos filhos que estão vindo”, afirma.
Conheça mais sobre o trabalho na Rebio do Rio Trombetas neste vídeo.