Cooperativa de manejo florestal comunitária na Amazônia paga crédito bancário antes do prazo

Pela primeira vez, manejadores da Resex Verde para Sempre conseguem recurso antecipado para produção; fortalecimento da gestão é fruto de projeto do IEB e CDS, com apoio da USAID/Brasil

A Cooperativa Mista Agroextrativista Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Rio Arimum (Coomnspra) conseguiu em maio uma ação inovadora: quitou antecipadamente o primeiro empréstimo bancário obtido para custear a exploração sustentável de madeira na reserva extrativista (Resex) Verde para Sempre, localizada no Estado do Pará. Pela primeira vez, manejadores do município de Porto de Moz conseguiram captar recursos em banco para financiar a produção, evitando a dependência de intermediários e garantindo maior autonomia na gestão do plano de manejo sustentável da floresta na região.

Esse resultado é fruto de um trabalho que vem sendo realizado nos últimos anos para fortalecer as cooperativas e associações instaladas na Resex. Desde 2016, o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) em parceria com o Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz (CDS) tem realizado ações de fortalecimento para que o arranjo institucional atenda à realidade e às demandas das comunidades. O projeto tem o apoio da USAID/Brasil, da Aliança do Clima e Uso da Terra (CLUA), do Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) e do ICMBio. 

O manejo florestal sustentável como alternativa socioeconômica para o desenvolvimento e a defesa dos territórios comunitários nas reservas extrativistas vem ganhando cada vez mais importância. É uma forma de substituir a dependência de produtos primários com baixo valor agregado e forte atuação de atravessadores. Por isso, a importância de melhorar a gestão das atividades e a governança destes territórios. 

Além do IEB e do CDS, estiveram envolvidos no processo o Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus), o Instituto Floresta Tropical (IFT) e a Embrapa Amazônia Oriental. Por meio da Coomnspra, um grupo de manejadores da Verde para Sempre conseguiu firmar 22 contratos individuais com o Banco da Amazônia (Basa), que garantiram recursos antecipados para a produção em 2019. 

O pagamento, que poderia ser feito em até dois anos, foi efetivado em menos de um ano, quitando contratos que somavam cerca de R$ 470 mil. O fato indica a viabilidade das operações de Manejo Florestal Comunitário e Familiar (MFCF).

“Agora sabemos que somos capazes de conseguir recursos diretamente em banco e gerenciar nossos empreendimentos, sem depender de intermediadores. Essa é uma conquista muito importante para os manejadores”, resume uma das cooperadas que receberam o recurso Rosalina Ferreira Magalhães, que também é primeira-secretária da Coomnspra.

O crédito foi viabilizado pelo Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), operado pelo Basa. Os juros previstos inicialmente eram de 3% ao ano, mas, como foi quitado antes do prazo, houve uma redução para 2% ao ano. Para acessar o financiamento, cada extrativista apresentou ao banco uma planilha de custeio, com detalhamento das atividades e cronograma de execução. A garantia usada foi a Autorização de Exploração (AUTEX), originada no plano de manejo. 

“Conseguir aprovar o crédito tendo o plano de manejo florestal sustentável como garantia de empréstimo foi um grande avanço. Além disso, houve a gestão coletiva e o fato de o prazo estabelecido no contrato, que geralmente é de 1 ano, ter sido ampliado para dois, respeitando o período necessário para o manejo madeireiro”, explica a engenheira ambiental Katiuscia Miranda, coordenadora-adjunta do IEB.  

Com o recurso foi possível pagar à vista insumos e aluguel de maquinários para as operações da safra, reduzindo os custos. O pagamento da mão de obra também foi antecipado. Desde 2014, quando a cooperativa foi criada, a contabilidade fechou com saldo positivo pela primeira vez. Esse valor extra será dividido com os cooperados. "Estamos muito alegres porque conseguimos acessar o crédito e, mais ainda, pagar no tempo certo. Isso significa que o plano de manejo florestal se sustenta. Provamos que conseguimos fazer empréstimo e pagar. Esperamos que a gente consiga outras linhas", comemora a líder extrativista Maria Margarida Ribeiro da Silva, que tem sido uma das vozes mais atuantes pela conservação da floresta, contemplando o papel das comunidades tradicionais da Amazônia.

Ao honrar o compromisso, a cooperativa obteve credibilidade com o banco, permitindo que os cooperados obtenham crédito para a próxima safra. “O que vemos é o surgimento muito promissor de um novo modelo de financiamento do uso sustentável das florestas no Pará e na Amazônia”, avalia o pesquisador Maximilian Steinbrenner, do Projeto Bom Manejo 2 (Embrapa), em entrevista ao IEB.

Atuação -  Segundo dados do Serviço Florestal Brasileiro, existiam em 2018 na Amazônia Legal 339 Unidades de Conservação (ocupando cerca de 26% desse território). Do total, 220 são classificadas como de uso sustentável, ou seja, têm como meta aliar a conservação da natureza ao uso sustentável de bens comuns para geração de renda das comunidades. Entre as UCs, há 78 reservas extrativistas, que englobam 3% da área total da Amazônia Legal. 

Maior Resex do Brasil, com mais de 1,2 milhão de hectares, a Verde para Sempre tem atualmente duas cooperativas e sete associações com planos de manejo ativos. A Coomnspra, que conta com 50 cooperados, é uma das pioneiras no MFCF em Unidades de Conservação no país. Obteve em 2016 a certificação FSC (sigla em inglês para Conselho de Manejo Florestal). 

No trabalho de fortalecimento organizacional junto às comunidades na Verde para Sempre foi criada também a Cooperativa Mista Agroextrativista Floresta Sempre Viva Três Rios (Comar), que tem atualmente 52 produtores. Em uma próxima etapa, está prevista a incorporação de outros 49 na entidade.

Katiuscia cita que o trabalho ainda tem desafios a serem superados, como a constante pressão de madeireiros ilegais para tentar reduzir o tamanho da Resex, o que deixa as comunidades vulneráveis na defesa do território.

Para tentar aumentar a autonomia, programas de formação continuada para manejadores e cooperados vêm sendo realizados. Mas, com a pandemia da Covid-19, que levou a população ao isolamento social para evitar a propagação do novo coronavírus, as atividades estão suspensas, inclusive as ligadas à extração sustentável de madeira.

Estimativas do Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar indicam que pode haver um prejuízo de R$ 1,3 milhão caso as comunidades não consigam operacionalizar a safra de 2020.