Castanheiros indígenas e de povos tradicionais de Rondônia terão acesso a crédito bancário pela primeira vez

Financiamento viabilizado por meio do Pacto das Águas, com apoio do Serviço Florestal dos Estados Unidos e Usaid/Brasil, permitirá capital de giro com juro menor, garantindo recurso para manejo sustentável da castanha-do-Brasil

"No início houve receio dos castanheiros. Mas, depois que o primeiro viu o crédito aprovado e o dinheiro na conta e que pode usar para custear a produção, a notícia se espalhou e outros castanheiros nos procuraram para regularizar a situação e poder acessar esse recurso." É assim que Stephanie Rezende, assessora técnica do Pacto da Floresta, resumiu a reação inicial de produtores indígenas e de povos tradicionais do Estado de Rondônia ao saber que poderiam ter acesso a uma linha de financiamento bancário.

Pela primeira vez, esses castanheiros conseguirão obter crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), sistema de financiamento ligado ao governo brasileiro. Isso será possível por causa de uma parceria entre o Pacto das Águas e a cooperativa Cresol Baser Rondônia.

O acordo foi uma das conquistas do projeto desenvolvido desde 2016 pelo Pacto juntamente com o Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) e apoio da Parceria para a Conservação da Biodiversidade na Amazônia (PCAB) da USAID/Brasil.

Diferentemente de produtores particulares, que oferecem suas fazendas como garantia em empréstimos, indígenas e ribeirinhos não têm a posse da terra, por isso era difícil obter esse tipo de recurso. Normalmente, esses castanheiros buscam capital de giro com intermediários, pagando juros mais altos, ou dependem da venda da castanha-do-Brasil pelo preço do mercado. Agora, recebendo o dinheiro antes de começar a produção, poderão planejar os gastos e comprar insumos, como combustível e equipamentos. 

"A ideia é que eles consigam andar com as próprias pernas, procurando independência na produção", completou Stephanie. Essa independência contribui para a autonomia da gestão do manejo e fortalece as ações de conservação da floresta em pé e de sua biodiversidade.

"Quando alguém colocava capital de giro nas mãos do produtor, o pagamento que ele recebia pela castanha era muito baixo. Então ficava sempre endividado. O projeto está procurando formar uma cadeia de compradores que pagam um preço justo e também ajudando a viabilizar financiamento. Isso dá mais controle e autogovernança aos castanheiros", explicou Kirsten Silvius, conselheira técnica do USFS.

Beneficiados - Os primeiros a ter acesso à linha de crédito serão os povos da Terra Indígena (TI) Igarapé Lourdes, no município de Ji-Paraná (a 380 km da capital Porto Velho). A TI engloba uma área de 185.534 hectares, onde residem os povos Gavião e Arara. 

O castanheiro Américo Gavião, primeiro a ter a documentação aprovada, pretende usar o recurso a partir de outubro, quando começa a produção da castanha-do-Brasil. "Me sinto honrado de ser o primeiro indígena contemplado com o crédito. Sabemos que não vai resolver todos os problemas, mas é um grande passo. Vai trazer o índio para o mercado e dar visibilidade para o trabalho dos povos indígenas, além de ter mais tranquilidade", afirmou Américo. 

Há outros 17 castanheiros aptos a tomar crédito a partir de outubro. "Os produtores indígenas e extrativistas não conseguiam acessar essas linhas porque não tinham garantias a apresentar aos bancos e cooperativas de crédito. Por meio da parceria com o Serviço Florestal e USAID, conseguimos formar o fundo de aval, onde o Pacto das Águas passa a ser o garantidor dessas operações", afirmou Sávio Gomes, coordenador do projeto.

Outras conquistas - O Pacto das Águas é uma entidade sem fins lucrativos (conheça mais aqui) criada para garantir alternativas de geração de renda às comunidades da Amazônia, apoiando a estruturação das cadeias de produtos da sociobiodiversidade. 

Sávio Gomes destaca que, por meio da parceria com o USFS, eles conseguiram avançar na estruturação da cadeia produtiva da castanha-do-Brasil nas duas TIs e em três reservas extrativistas que o projeto tem apoiado em Rondônia.

Com a pandemia da COVID-19, Sávio Gomes disse que a perspectiva para a comercialização da safra deste ano era muito ruim, mas com os recursos do Fundo Rotativo-Capital de Giro para a Castanha foi possível adquirir uma quantidade significativa da produção do coletivo e vender. Foram comercializadas 200 toneladas. E, pela primeira vez, houve o beneficiamento da castanha, com a venda de outras seis toneladas em amêndoas. 

"Contratamos uma pessoa para o comercial, que se dedicou exclusivamente a vender a castanha. Também fizemos várias estratégias antes mesmo da pandemia", afirmou. Ele lembra que a estrutura montada nos últimos anos com apoio do USFS e USAID -- como a construção de barracões e equipamentos de secagem, além da compra de barco e veículos -- também ajudou a chegar a esse patamar.

Para a próxima safra, há encomendas de pelo menos cinco toneladas a cada dois meses. Além de Rondônia, a Rede da Floresta vende para o Nordeste, Sudeste e Sul. "Será a primeira vez em 12 anos que vamos começar a safra com boas perspectivas porque conseguimos vender o produto, retornar o dinheiro para o capital de giro e já dar uma previsão de quantas toneladas conseguiremos comprar. Isso dá segurança para os castanheiros", completou.