Amazônia: Sementes nativas para restauração ecológica
Agosto/Setembro, 2024 (*) – Mais de 150 mulheres e homens, de todo o Brasil, reuniram-se em julho para seu encontro anual. Em comum, o conhecimento, e, em suas mãos, o primordial: as sementes. A vontade de trocar experiências e saberes tomou conta de cada coração durante o 3º Encontro do Redário, uma articulação de redes e grupos de coletores de sementes nativas para estruturação da base da cadeia de restauração em larga escala.
O Redário impulsiona o desenvolvimento de redes de sementes nativas, principalmente as de base comunitária, por meio de associações e cooperativas de populações tradicionais (indígenas, quilombolas) e pequenos agricultores. As ações de produção e plantio vem sendo desenvolvidas em cinco biomas, concentradas em 12 estados localizados nos biomas Mata Atlântica, Cerrado e Amazônia.
Realizado na cidade de Juazeiro, Bahia, às vésperas da 5ª Conferência Brasileira de Restauração Ecológica, o 3º Encontro do Redário reuniu coletores, técnicos e pesquisadores da restauração ecológica. A programação incluiu atividades como capacitações e interações para fortalecimento das redes já formadas e em formação, visitação a áreas de restauração do bioma Caatinga e tecnologias sociais do semiárido, além do plantio de uma muvuca (mistura) de sementes e a tradicional feira para troca de sementes.
Experiência - O coordenador de Transição Agroecológica do Centro de Pesquisa Florestal Internacional e do Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (CIFOR-ICRAF) no Brasil, Jimi Amaral esteve em atividades do encontro, representando a instituição e o programa Agricultura Regenerativa para a Conservação da Amazônia (ARCA), que apoiou a realização do evento.
O programa ARCA conta com financiamento da USAID e envolve quatro parceiros estratégicos do CIFOR-ICRAF – Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN), Instituto Ouro Verde (IOV) e The Nature Conservancy (TNC) Brasil.
O objetivo do evento foi interagir e aprender com os coletores de sementes de redes já formadas para levar essa experiência para o nordeste do estado do Pará, onde o ARCA vai apoiar a formação e criação de redes de coletoras de sementes. “Ter contato e interação com os grupos coletores de sementes que formam as redes foi muito importante para conhecer um pouco como se dão diferentes estruturas organizacionais, divisões de tarefas e processo de venda e distribuição dos benefícios entre coletores”, afirma Jimi Amaral.
O coordenador de Transição Agroecológica destacou o trabalho de uma rede de Rondônia que organiza a coleta de sementes em assentamentos, áreas de conservação e Terras Indígenas e quilombolas. São feitas visitas e mobilizações das lideranças, identificadas as espécies que existem no território e eleitas as que têm potencial para restauração e comercialização e, finalmente, é preparado o calendário de coleta.
Cada comunidade tem um ponto focal que fica responsável por organizar as famílias e a coleta e fazer a comunicação com a equipe da instituição que está intermediando a comercialização. Quanto aos ganhos com a venda de sementes, 60% da renda é direcionada aos coletores e 40% destinado à logística e custos operacionais.
“Foi possível compreender os processos, que funcionam bem, e creio que será possível reproduzir os protocolos que foram construídos ao longo dos anos com adaptações ao contexto do nordeste do Pará, para incentivar a coleta e abastecer a região. Compreender e integrar nossa instituição nesse processo de coleta de sementes para restauração é muito positivo”, afirma Jimi Amaral.
O Pará tem a ambiciosa meta de se tornar carbono neutro no uso do solo e das florestas até 2036 e parte dessa meta envolve a restauração de 5,4 milhões de hectares até 2030. Apesar de a maior parte dessa meta estar destinada à restauração natural assistida, ainda assim demanda milhões de sementes e mudas e isso representa uma demanda crescente por sementes. “O programa ARCA se propõe a realizar ações de engajamento e capacitações que atuem no sentido de fortalecer estratégias que contribuam direta ou indiretamente para atingir essas metas”, explicou Amaral.
Redes beneficiam pessoas e natureza – “As redes de sementes são fundamentais na cadeia de restauração, pois o mercado necessita de grandes quantidades e boa qualidade das sementes oferecidas. E as redes possuem esse potencial”, afirma Aline Smychniuk, analista socioambiental e gerente do Centro de Sementes da Ação Ecológica Guaporé (Ecoporé).
A Rede de Sementes da Bioeconomia da Amazônia (RESEBA), da qual Aline faz parte, possui, atualmente, 300 coletores de sementes cadastrados. Entre eles, estão indígenas de nove etnias (Suruí, Aikanã, Tupari, Zoró, Gavião, Kampé, Macurape, Karitiana e Apurinã), extrativistas, quilombolas, produtores rurais e coletores urbanos. Os coletores estão em todo o estado de Rondônia, norte do Mato Grosso e sul do Amazonas.
A RESEBA trabalha com 110 espécies e oferece formações para os coletores, com foco em boas práticas de coleta, beneficiamento e armazenamento de sementes. Aline Smychniuk, eleita como uma das três representantes de redes de base comunitária para compor o Comitê Gestor do Redário, avalia que a iniciativa pode ser benéfica em várias instâncias, pois “além de fomentar o mercado da restauração, temos a questão social, trazendo a possibilidade de geração de renda para as famílias dos coletores e movimentando a bioeconomia dos territórios”.
(*) Texto escrito por Denise Oliveira e Vitória Alves, do CIFOR-ICRAF