Gincana ecológica promove a soltura de 274 mil filhotes de quelônios na Amazônia
Comunidades ribeirinhas que vivem às margens do rio Juruá, na Amazônia, retomaram em novembro uma tradição: a realização da Gincana Ecológica para marcar o encerramento da temporada de monitoramento de quelônios. No evento, que reuniu cerca de 500 pessoas na comunidade Pupuaí, foram adotados protocolos de segurança em saúde, como o uso de máscaras de proteção e a comprovação da vacina contra a COVID.
Em 2021, foram soltos no Território Médio Juruá, município de Carauari, cerca de 274 mil filhotes. Do total, 233.300 eram de tartarugas e o restante de tracajás de 18 tabuleiros, como são chamadas as praias de desova dos animais localizadas nas reservas Uacari e Médio Juruá, onde os monitores atuam durante cinco meses.
A gincana, além de promover o encontro de moradores e monitores, conta com um trabalho de conscientização de crianças e jovens, por meio de palestras, oficinas e outras atividades lúdicas. Em 2020, por causa da pandemia de COVID-19, o evento havia sido substituído pela soltura dos animais realizada separadamente em cada uma das comunidades (leia aqui).
Neste ano, a gincana foi promovida na sequência da Olimpíada da Floresta, uma competição esportiva entre as comunidades (ficou em primeiro lugar o polo “Andiroba”, formado pelas comunidades Roque e Nova Esperança, seguido do “Tambaqui”, que reuniu Bauana, Bom Jesus, Imperatriz e Idó).
A conservação de quelônios na região é uma das atividades apoiadas pelo Programa Território Médio Juruá (PTMJ), coordenado pela SITAWI, com o apoio da USAID/Brasil e da Natura. O PTMJ também tem a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) como parceiro estratégico e a participação da Aliança Bioversity/CIAT. Organizações comunitárias locais (ASPROC, ASMAMJ, AMECSARA, AMARU, CODAEMJ e ASPODEX) estão entre as implementadoras das ações do programa, que contam ainda com ICMBio, Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) e OPAN.
Com apoio do PTMJ, a Gincana Ecológica foi realizada pelos próprios ribeirinhos em parceria com a Associação dos Moradores Extrativistas da Comunidade São Raimundo (AMECSARA), com a Associação dos Moradores Extrativistas da Reserva Uacari (AMARU), com a Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), além de ICMBio, SEMA, Prefeitura Municipal de Carauari, Instituto Juruá, Projeto Pé de Pincha (UFAM) e Fundação Amazonas Sustentável (FAS).
“A Gincana Ecológica é um evento que realizamos há alguns anos para comemorar o fechamento do trabalho. É um momento de trocar experiências, por meio das oficinas e das atividades, e também agradecer o esforço dos monitores locais e das comunidades. Sem eles, a conservação dessas espécies estaria prejudicada”, diz Raimundo Nonato Cunha de Lima, presidente da AMECSARA.
Os monitores locais fazem a vigília dos tabuleiros durante cinco meses, entre julho -- quando os quelônios começam a buscar áreas para desova -- e novembro -- mês em que os últimos ovos eclodem. Esses monitores recebem suporte financeiro porque têm que ficar nas praias, longe de suas comunidades, impossibilitados de manter outras fontes de renda.
Tartarugas, tracajás e iaçás são alvos de caçadores ilegais e contrabandistas que capturam os animais para comercialização. Geralmente são caçados durante a desova, quando estão nas praias e com movimentos mais lentos.
O monitoramento, além de garantir a reprodução dos quelônios e repovoamento dos lagos e rios, contribui com a conservação de outras espécies da fauna, como aves aquáticas, peixes, jacarés e mamíferos, com resultado positivo para o ecossistema.
Impacto - Há mais de 30 anos, quando os ribeirinhos começaram o trabalho com o monitoramento de quelônios eram 3 tabuleiros na região e 6 monitores. Esse número subiu para 7 e 27, respectivamente, no início dos anos 2000. Atualmente, com as parcerias e apoio das instituições, o total de tabuleiros cresceu para 18, com 45 monitores.
O resultado foi que a soltura anual de filhotes aumentou de cerca de 3.000 animais por ano para os 274 mil em 2021.
“Para mim, a conservação significa muita coisa. Quando comecei a fazer esse monitoramento, achava que a gente nunca chegaria onde estamos hoje. Há bons resultados e, com a ajuda dos parceiros e das instituições, vemos melhorar cada vez mais”, afirma Francisco Mendes da Silva, conhecido na região como “seo” Bomba.
Um dos primeiros monitores locais e morador da comunidade Manariã, Silva é responsável por um dos maiores tabuleiros da região, chegando a cuidar de 600 ninhos por ano. Ele trabalha juntamente com os filhos -- João Pedro e Andrea -- e a mulher Francisca. “Fico muito feliz quando começa a soltura dos filhotes. Torço para que cada um deles consiga passar pelos predadores naturais e crescer. É lindo”, relata Silva.
O conhecimento sobre quelônios acumulado por Silva ao longo dos anos é reconhecido na região. Moradores de outras comunidades chegam a brincar que as tartarugas, quando estão na praia, conhecem “seo” Bomba pelo passo. “Elas sabem que sou eu e não fogem. Estão protegidas”, confirma Silva, em meio a um sorriso largo.
Novidade - Além do monitoramento, neste ano as comunidades Manariã, Xibauazinho e Vila Ramalho, que estão na reserva Uacari, também começam a participar de uma nova cadeia produtiva: a criação de quelônios em tanques escavados para o manejo sustentável das espécies.
Com a autorização do governo do Estado do Amazonas, os ribeirinhos contarão com uma fonte de renda por meio da comercialização dos quelônios. Haverá uma cota anual, com uma quantidade permitida para o comércio, estabelecida com base no total de filhotes protegidos, garantindo assim a conservação. Além da quantidade determinada, os animais precisam atingir um peso mínimo para serem comercializados - 1,5 quilo no caso de tartarugas e 1 quilo para tracajás.