Da vigilância à preservação das espécies: a vida de monitores dedicada à floresta

"A importância do monitoramento é semelhante ao ato de se alimentar todos os dias. Você precisa comer para não deixar o corpo fraco. Conservar as espécies é uma forma de não tirar as forças da natureza. Temos que pensar no futuro e preservar", diz Manoel Cordovaldo Chaves, morador da Comunidade São João, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Itatupã-Baquiá (PA).

“O cuidado que temos com os lagos e rios, evitando as invasões, é para não deixar acabar. Os invasores levam peixes pequenos e grandes, não se preocupando se amanhã haverá mais. Nós queremos conservar para ter peixes hoje e no futuro", afirma Antônio Marcos Farias, da Comunidade Antonina, na Reserva Extrativista Baixo Juruá (AM).

A preocupação que os ribeirinhos Manoel e Antônio expressam em suas declarações permeia a fala de outros moradores da Amazônia que, assim como eles, dedicam a vida ao monitoramento de peixes, quelônios e outras espécies da região. 

Durante o ano, equipes se revezam na vigilância de rios, praias e lagos de Unidades de Conservação (UCs) para evitar a ação de invasores. Fazem a contagem da quantidade de indivíduos de cada espécie (incluindo a coleta de dados e o preenchimento de planilhas), realizam a soltura de filhotes (no caso dos quelônios) e a pesca monitorada de peixes visando promover a conservação da biodiversidade.

Essa rotina é parte do trabalho dos monitores, designados dentro das próprias comunidades, e que também desempenham um importante papel de multiplicadores de conhecimento. Incentivam a participação de lideranças e moradores no fortalecimento de organizações locais e no desenvolvimento de projetos que geram renda sustentável e conservam a floresta e suas riquezas.

As comunidades São João e Antonina estão entre as atendidas pelo projeto Monitoramento Participativo da Biodiversidade (MPB), desenvolvido pelo IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), implementadores da Parceria para a Conservação da Biodiversidade na Amazônia (PCAB). O projeto recebe apoio da USAID/Brasil e de Gordon and Betty Moore Foundation. 

O MPB, que integra o Programa Monitora, tem o objetivo de apoiar na conservação da biodiversidade e promover o envolvimento socioambiental para fortalecer a gestão e a conservação em UCs. Em cinco anos, beneficiou diretamente mais de 4,7 mil pessoas em 17 unidades, ajudando a proteger uma área de 12 milhões de hectares na Amazônia. 

“Olho para a comunidade de São Raimundo como para um barco. Antes (de participar de projetos de monitoramento), os moradores remavam para todos os lados, deixando o barco sem direção. Hoje, vejo todos remando com um só objetivo”, compara o monitor Henrique da Cunha, que vive às margens do rio Juruá, no Amazonas. 

Henrique diz ver sua comunidade “mais bem preparada, mais forte e focada na conservação da biodiversidade”. O pirarucu selvagem, um dos símbolos da Amazônia, é uma das espécies alvo de programas de monitoramento na região. Com o manejo sustentável do peixe, os ribeirinhos estão conseguindo conservar a espécie e levar renda para os manejadores e suas famílias por meio da comercialização do pescado. 

A participação no projeto e o envolvimento com suas comunidades também contribuem com o empoderamento dos próprios monitores. “Antes eu era tímida, não entendia muitas coisas. Agora descobri o valor dos animais, da conservação”, conta Raimunda de Jesus Soares, moradora da Comunidade São Tomé, na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns.

“Antes eu pensava mais na caça para sobrevivência, para alimentação. Hoje sei que não é só isso. Temos de conservar os animais, monitorar e mantê-los na floresta”, completa Raimunda, que pretende ensinar ao filho Clemerson Soares de Almeida, de 18 anos, o monitoramento para que ele continue o legado.

Compartilhando conhecimento - Para a gestora do MPB no IPÊ, Cristina Tófoli, além da importância como agentes da biodiversidade e multiplicadores de conhecimento, os monitores têm desenvolvido um papel como disseminadores de informação científica para comunidades tradicionais.

“Quando eles ajudam a responder a questões como ‘que tipo de espécies serão monitoradas’ ou ao coletar os dados, esses monitores estão fazendo ciência”, afirma Cristina. 

Para divulgar esse conhecimento e trocar experiências, o programa MPB desenvolveu o Encontro de Saberes. Em reuniões, pesquisadores, monitores, gestores e líderes comunitários têm a oportunidade de dialogar para que cada um, com sua experiência, olhe para a biodiversidade por meio da ciência.

“O ‘Encontro’ é uma tecnologia que o IPÊ e o ICMBio desenvolveram para discutir ciência e os resultados do monitoramento. Nasceu da necessidade de melhorar a forma de devolver a informação às comunidades e ir além de simplesmente apresentar resultados a elas. Pode ser aplicado em qualquer projeto que envolve obtenção de informação e que seja importante o retorno para a sociedade”, explica a gestora.

Até março do ano passado, esses encontros eram realizados presencialmente nas Unidades de Conservação, mas a pandemia de COVID-19 levou à suspensão das reuniões e a uma readequação da comunicação com os moradores. Algumas atividades passaram a ser desenvolvidas online.

Segundo Cristina, com a perspectiva de aumento do número de moradores e pesquisadores vacinados contra o novo coronavírus, a ideia é tentar retomar a série de Encontro de Saberes até o final do ano. 

Saiba mais sobre o projeto Monitoramento Participativo da Biodiversidade aqui e conheça o livro sobre o MPB, 2ª edição (Julho de 2019) aqui