Da criação de frangos à roça: pequenos projetos, novas perspectivas
Agosto, 2023 - Em um quintal de terra, que cerca a casa construída de barro e coberta de sapé (um tipo de capim com folhas compridas e rígidas), a indígena Gracilene Guajajara joga um punhado de arroz cru e logo surgem pintinhos, galinhas e o galo. Ela mora na aldeia Juçaral, na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, com o marido e os filhos, que também cuidam dos animais e do plantio de mandioca.
“Essa criação nos ajudou a ter o que comer durante uma parte da pandemia de COVID-19 e conseguimos manter até hoje. Também fizemos a nossa roça de mandioca. Tudo graças ao ‘projetinho’”, diz Gracilene, que pertence a uma família de lideranças na aldeia. “Os indígenas tinham a tradição de plantar roça, mas foi se perdendo por um tempo. Com o apoio resolvemos retomar, já que é algo que sabemos fazer”, completa.
O “projetinho” a que ela se refere é parte do apoio técnico e financeiro, em formato de pequenos repasses, a 63 famílias que vivem no território, concedido dentro do programa Gestão Ambiental e Territorial Integrada de Terras Indígenas na Amazônia Oriental, que contou com a parceria da USAID/Brasil.
O projeto, encerrado no primeiro semestre deste ano, foi realizado pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI), juntamente com o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). Teve a participação da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA), da Associação Wyty Catë das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins e da Articulação das Mulheres Indígenas do Maranhão (AMIMA).
Além de trabalhar com Planos de Gestão Territorial e Ambiental no estado, o programa desenvolveu etnozoneamento da Terra Indígena Alto Turiaçu, contribuiu com o fortalecimento institucional da COAPIMA e da AMIMA, além da carteira de micro e pequenos projetos, em que a família de Gracilene foi uma das contempladas.
“Depois de reuniões e conversas com os próprios indígenas percebemos que eles demandavam apoio para pequenas iniciativas, como a criação de animais, o plantio de mandioca e o artesanato. O desenho da carteira de projetos foi feito em conjunto com as comunidades e estamos vendo dar frutos até hoje”, avalia Thayane Cristine Tavares Rabelo, assistente técnica de Micro e Pequenos Projetos no ISPN e que acompanhou o processo desde o início.
O indígena Frederico Pereira Guajajara, que mora a poucos metros de Gracilene, também foi beneficiado com o apoio para criação de frangos. “No início tive um pouco de dificuldade para adaptar a criação para animais ‘de granja’, que precisavam de cuidados diferentes como alimentação e vacinas. Hoje temos mais frangos caipiras, que vivem soltos e foi melhor”, explica Frederico.
Ele foi um dos indígenas que organizaram um encontro de jovens, dentro do projeto. “Muitos jovens acabam deixando a aldeia para estudar e não voltam. Buscamos fortalecer os laços com nossas tradições e conhecimentos, desenvolvendo lideranças desde cedo”, complementa.
Já a esposa de Frederico, Angenilda Guajajara, integra a Associação de Mulheres Guerreiras da TI Arariboia, e é responsável juntamente com outras indígenas pelo viveiro de mudas da comunidade. No local, elas cultivam espécies nativas que depois são plantadas em áreas degradadas. Algumas dessas espécies são usadas por elas para a produção de artesanato, aproveitando sementes e tinturas, como o urucum.
Compartilhando mudas - Em outra comunidade a alguns quilômetros dali, a cacica Perolina Guajajara, da aldeia Guarumãzinho, conta que o projeto chegou em um momento de grande dificuldade. “Quase não tinha comida por aqui e, por isso, resolvemos fazer uma roça de mandioca. A família trabalhou nela e hoje já conseguimos dar mudas para outros parentes que precisam”, diz.
Eles reservaram uma área em que estão cultivando a planta e depois pretendem retirar as manivas, que são pedaços das hastes ou ramas da planta, com mais ou menos 20 cm de comprimento, usadas para plantio.
Civaldo Guajajara, o marido de Perolina, desenvolveu um pequeno motor acoplado a uma espécie de caixa de madeira onde a indígena rala a mandioca para fazer farinha. “Temos a farinha o ano todo que uso para refeições e para fazer bolo.”
Segundo Thayane, o projeto contribuiu com o fortalecimento dos conhecimentos tradicionais ao permitir a retomada de atividades pelas comunidades, além de envolver mulheres e jovens nas iniciativas.
"A realização do projeto foi de extrema importância nas Terras Indígenas beneficiadas. Atendeu demandas de diferentes magnitudes, desde a implementação de Planos de Gestão Ambiental e Territorial e a elaboração de etnozoneamentos – que atendem as populações dos territórios como um todo – até o cuidado com necessidades específicas de determinadas aldeias por meio dos micro e pequenos projetos. Além disso, o foco na atuação das mulheres resultou no fortalecimento da AMIMA e do movimento das Mulheres Indígenas Timbira, com a realização de seu primeiro grande encontro, cuja potência indicou o caminho de muitos outros que virão!", avalia Pollyana Mendonça, responsável pelo monitoramento do projeto no CTI.